A Nobreza do Ministério

Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus (Paulo de Tarso)

O jovem obreiro aguarda com expectativa o dia em que será ordenado ao santo ministério da Palavra. Ter um lugar especial no púlpito, ser chamado de pastor por todos os irmãos, o privilégio de se destacar entre aqueles que com ele cresceram na igreja, a possibilidade de votar, de ser eleito para diversos cargos na convenção, concílio ou direção de sua denominação, tudo isso é como uma auréola invisível ao redor de sua cabeça, um colar de glória em seu pescoço.

Em sua denominação não há o uso do colarinho clerical, mas para quê? Ele existe, invisível, sempre reluzente pelo brilho do título que ora passou a envergar! Levará ainda algum tempo, quem sabe anos, algumas frustrações, decepções, e uma iluminação especial de Deus para perceber que o título ministerial, por si mesmo, nada é, se o jovem obreiro perder, por causa de seu caráter, a nobreza do ministério que lhe foi conferida.

Ele descobrirá, então, que o título não tem sentido algum se a graça, a unção e a virtude profética de seu ministério forem perdidos.

Não é o título ministerial que dá nobreza ao ministério. Os títulos, por vezes, se vulgarizam e nos põem em pé de igualdade com os profissionais de qualquer ramo. Os títulos ministeriais enchem-nos de orgulho, no entanto, perdemos o verdadeiro sentido que os apóstolos queriam expressar quando a eles se referiam.

A nobreza do ministério reside no chamamento divino, na possibilidade de se fazer parte do conselho de Deus na terra, na representação da misericórdia, do amor, da graça e da justiça divina. Os títulos não têm valor algum para Deus; a obediência ao chamamento, a fidelidade aos propósitos divinos e a representatividade de tudo o que é celestial nesse mundo terrenal é que têm valor diante de nosso Senhor.

Contudo, a prática pastoral perdeu seu verdadeiro sentido em alguns lugares do Brasil, tanto que, apresentar-se como pastor é menosprezar a si mesmo, vulgarizar-se diante dos homens; em alguns lugares esse título não dá crédito no comércio e, cientes disso, muitos se apresentam com nomes de quaisquer profissões. Neste caso, o melhor mesmo é apresentar-se como Ministro do Evangelho.

A nobreza do ministério não está na posição que se galga dentro de uma denominação, nem nos cargos que se exerce numa grande igreja local, muitas vezes conseguidos por meios nada gentis; a nobreza reside na verticalidade da comunhão com Deus e na execução dos propósitos divinos na terra. E é a vida interior do obreiro que determinará seu ministério na terra.

Aqueles que ensinam a verdade, que demonstram o conhecimento de Deus na terra, e que lidam com as almas de pessoas humanas, deveriam encarar as questões da vida interior como tema transcendental, e a saúde da vida interior deve ocupar seu pensamento e seu tempo mais do que qualquer outra pessoa na igreja.

Falando desse tema a um grupo de obreiros no início do século vinte, Evelyn Underhill disse: “É requisito básico que um ministro de Deus mantenha sua vida interior em perfeito estado de saúde. Sua comunhão diária com Deus deve ser sólida e verdadeira. (…) Creio que o ministro deve ter em mente, de forma clara, plena de riqueza e profundidade a Majestade e Esplendor de Deus; depois contrastar seu interior, sua alma, com esse Magnífico Esplendor.

Logo, possuir clareza quanto ao tipo de vida interior que seu chamamento requer. Deus – a alma – a eleição divina – três realidades fundamentais da vida do ministro.” 1 A autora, é certo, se referia à experiência de Isaias que viu contrastada na glória de Deus o negrume de seu pecado e de sua vida interior.

Paulo disse: “Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus” (1 Co 4.1). A palavra grega traduzida aqui como ministro é huperetes, um remador inferior, um ajudante de remador. Ao utilizar-se desse termo, Paulo está se referindo aos remadores que ficavam na parte mais inferior do navio; remadores submissos a outros remadores…

Não é servo (diácono) nem escravo (doulos) mas alguém que trabalha por obrigatoriedade, uma pessoa contratada, que vive sob ordens de um superior, que espera ordens para agir, no caso de Paulo, de Cristo. O que Paulo pretendia dizer com isso? Que as pessoas deveriam entender que o ministro não age por conta própria, que trabalha sob ordens, obedece a um líder e que tudo o que faz é apenas trabalhar e trabalhar…obedecendo!

Mathew Henry diz: “Neste caso, o apóstolo requer respeito ao tipo de ofício que tem, especialmente porque muitos fracassaram na missão apostólica, ainda que outros, possivelmente, colocavam o apostolado como algo muito sublime, elevado, como se Paulo fosse o líder de um partido e, por isso, diziam serem seus discípulos.

É nossa opinião de ministros, que deveríamos evitar os extremos. Os apóstolos não devem ser super valorizados, pois são ministros, não mestres; despenseiros, não senhores. Eram apenas servos de Cristo e nada mais, ainda que servos do mais alto escalão, pessoas que cuidavam da despensa, provendo alimento e designando tarefas aos demais.

Veja, é um grande abuso querer ser senhor dos servos, quando se é também servo, e exigir que se obedeça à sua autoridade. Pois os apóstolos não passavam de servos de Cristo, empregados dele, por ele enviados para serem despenseiros dos mistérios de Deus; mistérios que estavam guardados por gerações. Não arrogavam ter autoridade querendo dominar sobre os demais, apenas proclamavam a mensagem de Cristo.”

O obreiro deve ter em mente que seu ministério não é uma profissão, que a igreja que pastoreia não lhe pertence, e sim a Cristo (e os demais líderes da igreja devem reavaliar seus critérios quando pensam que a igreja lhes pertence), que ele é assalariado de Deus e que recebe ordens do céu e não do conselho da igreja.

E o povo deveria entender claramente desse assunto, para não pensar que seu pastor é o empregado da igreja. O obreiro é apenas um servo entre os servos, designado em liderar os demais na distribuição das riquezas da despensa de Deus aos homens.

Quantos de nós maculamos o bom nome de Cristo? Ou será que Deus não irá cobrar de nós o comportamento e a péssima reputação que damos ao nome de Cristo na terra? Será que nosso comportamento redunda “em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo”? (1 Pe 1.7). Mantemos procedimento exemplar na cidade em que vivemos? (1 Pe 2.12).

Precisamos entender que nossa função pastoral foi-nos concedida por Deus, e o nome do Senhor deve ser guardado na mais alta honra. Mas não é exatamente o contrário que acontece? Queremos manter o nosso nome honrado, velamos por nossa reputação, zelamos por nosso ministério, quando na realidade deveríamos pensar em honrar o Nome daquele que nos chamou e nos capacitou para a obra de Deus.

O processo da vida interior purificada, imaculada e santa, não é para nosso próprio louvor, e sim para honra e glória do nome de Deus. Precisamos aprender a levar a culpa, a carregar o opróbrio, e não buscarmos apenas a honra e a glória ministerial.

Consagramos nossas vidas com o objetivo de sermos capacitados com poder e graça, quando na realidade a consagração deveria ter como objetivo a glória do nome de Jesus. Essa inversão de valores é egoísta, pois aproximamo-nos de Deus buscando nossos próprios interesses. Todo meu ser é consagrado para glorificar o nome do Pai, honrar o nome do Filho e expressar a vontade do Espírito Santo.

Quantos jejuam dias e noites com motivações erradas? Buscam poder, querem os dons para curar, expelir demônios, operar milagres e para isso jejuam; essas coisas, no entanto vêm como fruto da consagração a Deus. Nada quero para mim mesmo; tudo pertence a Deus e ele de boa vontade concede-me de seus dons.

“Somente podemos servir a Deus com aquilo que é de Deus. Nada, a não ser o que nos é dado por Deus pode ser usado no serviço do Senhor”, diz W. Nee num de seus livros.  Watchman Nee, – influenciado pelas obras de Madame Guyon e de Jessie Penn Lewis- diz o que João da Cruz fala em seu livro, O Carmelo, sobre a noite escura da alma, quando perdemos tudo, para ganharmos a Deus.

Na jornada da vida ministerial, em algum lugar, perdemos o verdadeiro sentido do ministério. O verdadeiro ministério precisa urgentemente ser restabelecido no seio da igreja, e para que isso aconteça é necessário que os pastores voltem ao começo de tudo, repensem seu chamamento, reflitam sobre seus ministérios e deixem o ministério pastoral de cunho profissional para o de cunho vocacional.

Somos homens de Deus, não empregados de denominações. Somos vocacionados por Deus, e não podemos macular o nome de Deus nos meandros da política e da corrida eleitoral. “Durante dezenove séculos a igreja vem dizendo ao mundo que reconheça os seus pecados, arrependa-se e creia no evangelho. Hoje, no crepúsculo do século vinte, o mundo diz à igreja que enfrente seus pecados, arrependa-se e comece a ser a verdadeira igreja desse evangelho.”

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