Os Perigos da Segurança Carnal

Na cidade de Alma do Homem, vivia um homem cujo nome era Segurança Carnal. Este homem, apesar de toda a misericórdia concedida pelo Príncipe, colocou Alma do Homem em terrível servidão.

Quando Diabo tomou posse da cidade de Alma do Homem, ele trouxe consigo um grande número de seus descendentes. Entre estes se achava o Sr. Presunção. Diabo, percebendo que Presunção era muito ativo e ousado, enviou-o em muitas missões perigosíssimas. Presunção se mostrou bem-sucedido em suas realizações e agradou o seu senhor, mais do que muitos que o serviam. Reconhecendo que Presunção era conveniente aos seus propósitos, Diabo o tornou o segundo no comando, sob as ordens do grande lorde Vontade-Própria.

Naqueles dias, o lorde Vontade-Própria agradou-se de Presunção e de suas realizações, de modo que lhe deu sua filha, Srta. Não-Teme-Nada, como esposa. Ora, Não-Teme-Nada e Presunção tiveram um filho que chamaram Segurança Carnal. Houve muitos casamentos mistos em Alma do Homem, e, em alguns casos, dificilmente se podia determinar quem era natural da cidade e quem não o era. Segurança Carnal era parente do lorde Vontade-Própria, por parte de mãe, embora seu pai fosse descendente do Diabo, por natureza.

Segurança Carnal nasceu com os traços de seu pai e sua mãe. Ele era presunçoso, destemido e bastante ativo. De um modo ou de outro, qualquer idéia nova, filosofia estranha ou entretenimento incomum na cidade era instigado por ele. Nas contendas, ele rejeitava os que eram considerados fracos e sempre ficava do lado da facção mais forte.

Quando Shadai e Emanuel guerrearam contra Alma do Homem, Segurança Carnal estava na cidade. Ele se mostrou bastante ativo entre as pessoas, encorajando-as em sua rebelião e endurecendo-as em sua resistência contra as forças do Rei. Quando a cidade de Alma do Homem foi conquistada pelo Príncipe glorioso, Segurança Carnal viu Diabo ser expulso e forçado a deixar o castelo, com grande vergonha. Segurança Carnal percebeu que a cidade estava cheia dos capitães e das armas de guerra de Emanuel. Por essa razão, mostrando-se esperto, ele mudou de atitude. E, da mesma maneira como havia servido o Diabo, Segurança Carnal se comprometeu a apoiar o Príncipe.

Depois de obter algumas informações sobre os planos de Emanuel, Segurança Carnal aventurou-se na companhia dos homens da cidade e tentou conversar com eles. Segurança Carnal sabia que o poder e a força de Alma do Homem era grande e que seria agradável aos moradores se elogiasse o poder e a glória deles. Por conseguinte, ele começou a falar exageradamente sobre o poder e o vigor dos lugares seguros e das fortalezas de Alma do Homem, dizendo que a cidade era impenetrável. Segurança Carnal exaltou os capitães e suas armas, assegurando aos moradores que o Príncipe tornaria Alma do Homem feliz para sempre. Quando Segurança Carnal viu que algumas pessoas se deleitaram e foram conquistadas por seu discurso, ele estabeleceu como seu objetivo o percorrer todas as ruas e casas, a fim de convencer os moradores de sua segurança. Em breve, eles se tornaram tão carnalmente seguros como o era Segurança Carnal. Assim, motivados pela conversa, os moradores começaram a festejar e a se divertir.

O prefeito, Sr. Entendimento, o lorde Vontade-Própria e o Sr. Conhecimento também foram conquistados pelas palavras deste homem gentil e bajulador. Eles esqueceram que o seu Príncipe os advertira a serem cuidadosos e não se deixarem enganar por qualquer artifício diabólico. O Príncipe lhes dissera que a segurança agora florescente na cidade não se devia às suas fortalezas, e sim ao seu desejo de que Emanuel habitasse no castelo da cidade. A verdadeira doutrina de Emanuel dizia que Alma do Homem deveria ter o cuidado de não esquecer o amor do Príncipe e o amor de seu Pai pelos moradores. Eles também deveriam se comportar de um modo que os preservaria no amor dEle.

Tornarem-se enfatuados por causa de um habitante que era descendente do Diabo, especialmente alguém como Segurança Carnal, constituía um erro gravíssimo para eles. Deviam ter escutado, temido e amado o seu Príncipe. Deviam ter apedrejado até à morte este criador de desordens carnal e andado nos caminhos do seu Príncipe. A paz deles teria sido como um rio, se a sua justiça tivesse sido como as ondas do mar.

De sua residência, no castelo, Emanuel observou o que se passava na cidade. Compreendeu que, por meio da astúcia do Sr. Segurança Carnal, o coração dos homens de Alma do Homem havia se tornado frio em seu amor para com Ele. Com grande tristeza, ele se dirigiu ao Secretário de seu Pai: “Oh! Se meu povo tivesse me escutado e Alma do Homem houvesse andado em meus caminhos! Eu os teria alimentado com o mais fino trigo e sustentado com o mel que brota da rocha.”

Então, ele disse em seu coração: “Retornarei à corte de meu Pai, até que o povo de Alma do Homem considere e reconheça a sua ofensa.”

O coração de Emanuel estava ferido, porque eles não o visitavam mais em seu palácio real, como o faziam antes. Na realidade, os moradores de Alma do Homem nem mesmo percebiam que ele não estava mais vindo para bater na porta das casas deles. O Príncipe ainda preparava festas de amor e os convidava a participar, mas desprezavam os convites dele e não queriam mais se deleitar na sua companhia. Os habitantes de Alma do Homem não procuravam os conselhos do Príncipe, nem esperavam por tais conselhos. Em vez disso, se tornaram confiantes em si mesmos, concluindo que eram fortes e invencíveis. Acreditavam que Alma do Homem era segura e estava fora do alcance de qualquer inimigo.

Emanuel percebeu que, por causa da astúcia de Segurança Carnal, a cidade de Alma do Homem não dependia mais dele ou de seu Pai. Em vez disso, confiavam nas bênçãos que haviam recebido. A princípio, ele se entristeceu por causa da condição pecaminosa dos moradores. Por isso, tentou fazê-los compreender que o caminho que agora seguiam era perigoso. O Príncipe enviou seu Nobilíssimo Secretário, para proibi-los de continuar em seu caminho. Mas, nas duas ocasiões em que ele veio, encontrou os moradores jantando na casa de Segurança Carnal. O Secretário compreendeu que não estavam dispostos a ouvi-lo argumentando a respeito da felicidade deles. Depois, ele se retirou entristecido em seu coração. Quando ele narrou ao Príncipe a indiferença do povo, Emanuel também se sentiu ofendido e entristeceu-se. Assim, ele fez planos de retornar à corte de seu Pai.

Durante o restante do tempo que permaneceu em Alma do Homem, antes de sua partida, o Príncipe dedicou-se a si mesmo, mais do que o fizera anteriormente. Se procurava a companhia dos moradores, a conversa dele não era mais tão agradável como havia sido. Quando os homens da cidade vinham à casa do Príncipe, não o encontravam tão disponível como em tempos passados. Antes, ao ouvir os passos deles, o Príncipe se apressava a encontrá-los no meio do caminho e os envolvia em seus braços. Agora, porém, eles batiam uma ou duas vezes, e parecia que o Príncipe não os ouvia.

Emanuel continuou a agir desta maneira, esperando que as pessoas de Alma do Homem reconsiderassem suas atitudes e retornassem para ele. No entanto, elas não perceberam esta sua nova maneira de comportar-se para com elas, nem se comoveram com as lembranças dos antigos favores do Príncipe.

Por conseguinte, o Príncipe se retirou deles: primeiramente, em seu palácio; depois, nos portões da cidade; e, por último, saindo de Alma do Homem. Ele se ausentaria da cidade até que os moradores reconhecessem sua ofensa e buscassem sinceramente a face dele. O Sr. Paz-de-Deus também se retirou de sua posição e, até ao presente, não cumpriu mais seus deveres em Alma do Homem.

Por esse tempo, os moradores da cidade estavam tão endurecidos em seus caminhos e tão doutrinados por Segurança Carnal, que a partida do Príncipe não lhes comoveu o coração. Na verdade, os moradores de Alma do Homem nem se lembraram do Príncipe, depois que ele partiu, e sua ausência não teve qualquer importância para eles.

Revista Fé para Hoje, extraído de The Holy War, escrito por John Bunyan.

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