Os deveres do esposo (Parte 2)

Exposição sobre Efésios 5.25-33

A que isto leva na prática? Chego aqui a um ensino muito detalhado do qual todos têm necessidade, os cristãos e os demais. Todos falhamos, Deus o sabe; todos pecamos deixando de entender este ensino e de aplicá-lo pormenorizadamente. O princípio é que a esposa é, por assim dizer, o corpo do homem. Assim, o que o seu corpo é para a sua personalidade, a sua esposa deveria ser para ele. Disso provém o ensino detalhado do apóstolo. Como o homem deve tratar sua esposa? Permitam-me dar primeiro alguns itens negativos. Ele não deve abusar dela. É possível a um homem abusar do seu corpo, e muitos o fazem – comendo demais, bebendo demais, e de várias outras maneiras. Isso é abusar do corpo, maltratá-lo, ser maldoso para com ele. Ora, diz o apóstolo, o homem que faz isso é insensato, porque, se maltrata o seu corpo e abusa dele, quem vai sofrer é ele. Você não pode desligar-se do seu corpo; e se pensa que pode, e abusa do seu corpo, você é quem irá sofrer. Sua mente sofrerá, seu coração sofrerá, todo o seu viver sofrerá. Talvez você diga: “Não me importo com meu corpo, estou vivendo a vida do intelecto”; mas, se continuar agindo assim, logo verá que já não possui o intelecto que outrora possuía, e que não será capaz de pensar como antes. Se abusar do seu corpo, será você que irá sofrer. Não sofrerá só o seu corpo, mas você mesmo sofrerá também. É exatamente a mesma coisa na relação matrimonial. Se um homem abusar da sua esposa, ele sofrerá, bem como sua esposa. Assim, além do erro inerente ao abuso, o homem será insensato. Se um homem abusar da sua esposa, ocorrerá colapso não somente na esposa, mas também no homem, e no relacionamento entre ambos. Certamente é o que está acontecendo comumente no mundo hoje. Deveria ser uma coisa inimaginável, um cristão abusar da sua esposa.

Mas não somente não deve o marido abusar da sua esposa; em segundo lugar, não deve negligenciá-la. Retornemos à analogia do corpo. Um homem pode negligenciar seu corpo. Acontece muitas vezes e, de novo, isto sempre leva à dificuldades. Negligenciar o corpo é mau, é tolo, é errado. O homem foi constituído de tal maneira que ele é corpo, mente e espírito, e os três estão em íntima relação uns com os outros. Seguramente estamos todos cientes disto. Tome-se um exemplo em termos da fragilidade do corpo. Se sofro de laringite, não posso pregar, ainda que queira fazê-lo. Posso estar com a mente cheia de ideias, e posso estar dominado pelo desejo de pregar, porém, se a minha garganta estiver inflamada, não poderei falar. E assim é com o corpo todo. Se você negligenciar o corpo, sofrerá por isso. Muitos homens têm feito isso, muitos eruditos têm feito isso, e pela negligência dos seus corpos o trabalho deles padeceu. Isso por causa da unidade essencial que há entre estas partes das nossas personalidades.

Dá-se exatamente a mesma coisa na relação matrimonial, diz o apóstolo. Quão maiores dificuldades são causadas na esfera do casamento simplesmente pela negligência! Recentemente foi publicado nos jornais um documentário médico dando provas de que atualmente numerosas mulheres foram empurradas ao vício de fumar. Por que? Simplesmente porque foram negligenciadas por seus maridos. Os maridos passam suas noites fora, em esportes ou em bares ou jogando com os amigos; e a pobre esposa é deixada em casa com as crianças e com o trabalho. O marido vem para casa na hora de ir para a cama e dormir; de manhã se levanta e sai. A negligência de que a esposa é vítima está levando a estas condições nervosas que se revelam no ato de fumar excessivamente e noutras manifestações de tensão nervosa. É lamentável que um homem se case e depois se ponha a negligenciar a esposa. Noutras palavras, eis um homem que se casou, mas que em questões essenciais continua vivendo como se ainda fosse um solteirão. Continua com sua vida desligada, continua passando o tempo com os seus amigos.

Eu poderia desenvolver isto com muita facilidade, porém os fatos são tão conhecidos que isso se torna desnecessária. Na verdade tenho a impressão de que existe mesmo nos círculos cristãos, até nos círculos evangélicos conservadores, a tendência de esquecer este ponto particular. O casado não deve continuar agindo como se fosse solteiro; sua esposa deve estar envolvida em tudo. Recentemente recebi convite para uma realização social relacionada com uma organização evangélica conservadora; mas o convite foi dirigido somente a mim, sem incluir minha esposa. Automaticamente o recusei, como sempre faço quando acontece esse tipo de coisa. Este é um caso de organização cristã conservadora que obviamente não tem uma ideia clara sobre estas questões. Aventuro-me a estabelecer como regra que o cristão não deve aceitar convite para programas sociais sem sua esposa. É irreparável o dano feito a muitos casamentos porque os homens se encontram em seus clubes sem suas esposas. Isso é errado, pois é a negação de princípios primordiais. O homem e a mulher devem fazer juntos as coisas. Naturalmente, em seu trabalho profissional o homem tem de estar só, e há outras ocasiões em que tem de estar só; mas se se tratar de uma ocasião social, de algo de que a esposa pode participar, ela deverá participar, e cabe ao marido providenciar para que ela participe. Sugiro que todos os maridos cristãos recusem sem pestanejar todo convite que venha para eles e não inclua as suas respectivas esposas.

Todavia, há outro aspecto desta questão que por vezes me causa grande preocupação. Constantemente ouço falar daquilo que às vezes denominam “viúvas cristãs conservadoras”. A expressão significa que o marido desse tipo particular de mulher fica fora de casa todas as noites, numa ou noutra reunião. Sua explicação, na verdade seu argumento, é que ele está envolvido numa boa obra cristã; mas parece esquecer que é casado. No outro extremo está, é certo, aquele tipo de cristão que não faz nada, indulgente consigo mesmo e com sua preguiça, e que fica o tempo todo em casa. Ambos os extremos sempre são errôneos; entretanto, no momento estou condenando este extremo em particular – o caso do homem que vive tão ocupado com a obra cristã, que negligência a sua esposa. Conheço muitos exemplos disto. Recentemente me falaram de um deles, no norte da Inglaterra – o caso de um homem que todas as noites estava falando em reuniões, organizando isto e aquilo. O homem que me contou isso confessou-me que ele mesmo estivera começando a fazer a mesma coisa, mas foi despertado sobre o problema quando conheceu a mulher do outro homem, a respeito de quem toda gente estava falando. O meu interlocutor me disse que a pobre mulher parecia uma escrava – exausta, esgotada, cansada, negligenciada e infeliz, e com o coração atribulado. A conduta desse marido é gravemente pecaminosa. Embora se faça isso em nome do trabalho cristão ativo, o homem não pode e não deve subtrair-se dessa maneira à sua vida matrimonial, porque a esposa é parte integrante dele – a sua “melhor metade”, não sua escrava. Portanto, os maridos cristãos devem examinar-se sobre esta questão. O lar não é um dormitório para onde o marido volta só para dormir. Não! Tem de haver ali um relacionamento ativo, ideal, positivo; e sempre devemos manter isto na parte frontal da nossa mente. O homem deve, pois, buscar de Deus sabedoria para saber dividir-se nesta relação. Mas, não interessa o que o homem é; se é casado, não deve portar-se como solteiro, mesmo com relação à obra cristã, porque, agindo assim estará negando o próprio ensino do evangelho que ele diz que prega. Justamente aí pode haver egoísmo inconfesso. Sei que isso geralmente acontece como resultado de nada menos que a irreflexão, a negligência; todavia esta em geral leva ao egoísmo. Em todo caso, o cristão não deve fazer-se culpado de irreflexão, de negligência.

Daí parto para a terceira elaboração prática do ensino. O marido não deve aproveitar-se da sua esposa, não deve negligenciar sua esposa e, em terceiro lugar, nunca deve desconsiderá-la como alguém sem valor. O fator positivo sempre deve estar presente. A esposa não é apenas a governanta da casa dele; há este elemento positivo. Qual a melhor maneira de expor isto? Tomo a liberdade de adotar os termos do próprio apóstolo. Ele faz esta colocação: “Assim devem os maridos amar a suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes” – o quê? “a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja”. Vocês recordam como, quando consideramos estas palavras, ficamos admirados e estonteados pelo modo como o Senhor nos alimenta e cuida de nós. Mas é como o marido deve portar-se para com a sua esposa. “Alimenta e sustenta”, ou “cuida dela”. De novo, não se pode fazer isso sem exercer o pensamento.

Mais uma vez, isto pode ser elaborado em termos da analogia segundo a qual o homem não aborrece, não odeia o seu próprio corpo, porém o alimenta e cuida dele. Como o faz? Podemos fazer a seguinte divisão: primeiramente há a questão da dieta. O homem tem que pensar em sua dieta, em sua alimentação. Ele tem que nutrir-se suficientemente, que fazê-lo com regularidade, e assim por diante. Tudo isso tem que ser planejado em termos de marido e mulher. O homem deve pensar no que ajudará sua mulher, no que a fortalecerá. Quando tomamos nossas refeições não pensamos só em calorias, proteínas, gordura e carboidratos; não somos puramente científicos, somos? Outro fator entra na questão dos alimentos. Também somos influenciados pelo que agrada o paladar, pelo que nos dá satisfação e prazer. É assim que o marido deve tratar sua mulher. Deve pensar no que lhe agrada, no que lhe dá prazer, naquilo de que ela gosta e que a satisfaz. Naturalmente, antes de casar-se ele renunciava ao seu gosto para fazer isso; mas, depois de casado, já não o faz. Não é essa a dificuldade? Muito bem, diz o apóstolo, você não deve parar, deve continuar pensando; e como você é cristão, deve dedicar-se a pensar e a cuidar cada vez mais, não cada vez menos. Esse é o argumento dele. Não estamos todos sob condenação? No entanto este é o ensino apostólico, o ensino do Novo Testamento. Quanto à dieta, considere a personalidade integral e a alma da sua mulher. É preciso que haja este pensamento ativo acerca do desenvolvimento da esposa e da sua vida, neste admirável relacionamento que o próprio Deus estabeleceu.

Ha ainda a questão dos exercícios. A analogia do corpo sugere logo isso. Para o corpo o exercício é essencial; é igualmente essencial na relação matrimonial. Pode significar uma coisa simples como esta – apenas conversar. Ah, sei que muitas vezes a causa de problemas no casamento é a falta de conversação! Todos sabemos quanta coisa se pode dizer como desculpa. O homem está cansado, esteve trabalhando em seu emprego ou no seu escritório o dia inteiro, e chega em casa enfadado, cansado, e quer descanso e paz. Sim, mas essa verdade vale também para a sua esposa, com a diferença de que talvez ela tenha estado sozinha o dia inteiro, ou só tenha tido a companhia de criancinhas. Quer nos sintamos desse modo quer não, temos que conversar. A esposa precisa de exercício neste sentido. Fale com ela sobre seus negócios, sobre suas preocupações, sobre suas ocupações; envolva-a nisso tudo. Ela é seu corpo, faz parte de você; portanto, deixe que ela fale sobre isso. Consulte-a, permita que ela apresente o seu modo de entender as coisa. Ela faz parte da sua vida, pelo que envolva-a na totalidade da sua vida. Obrigue-se você mesmo a conversar. Noutras palavras, é preciso que nós nos esforcemos a pensar, a cuidar. Repito que conheço todas as desculpas e que bem sei como muitas vezes isso pode ser difícil; faço, porém, a seguinte colocação – parece-me um belo argumento. Um homem estava igualmente cansado e trabalhando arduamente antes de casar-se; mas nos dias anteriores às núpcias, fosse o que fosse que estava fazendo, tinha o maior desejo de conversar com a noiva e de pô-la a par de tudo. Por que é que isso deveria parar após o casamento? Não deve parar, diz o apóstolo. O marido e a mulher são um. Olhe para ela, e tenha por ela a mesma consideração que você tem por seu corpo, e lembre-se deste elemento de exercício. Leve-a a participar de tudo, planejadamente. Será magnífico para ela, para o seu desenvolvimento; e será bom para você, porque o casamento completo crescerá e se desenvolverá, se você agir assim.

E isso nos leva ao quarto ponto, o qual é o elemento de proteção. Eis aí este corpo; ele necessita de alimento, necessita de exercício; porém, em acréscimo, todo homem tem que aprender a entender o seu próprio corpo. O apóstolo desenvolve o seu argumento. O apóstolo Pedro, vocês se lembram, se expressa deste modo: diz ele ao marido que se lembre de que sua esposa é o “vaso mais fraco” (1 Pedro 3.7). Significa que estes nossos corpos estão sujeitos a certas coisas. Todos somos diferentes, mesmo no sentido físico. Alguns de nós talvez estejam mais sujeitos a sentir frio, ou calafrio, de um modo que não parece molestar outras pessoas. Alguns de nós são constituídos de molde a ter estes problemas menores; e estamos sujeitos a estranhas infecções e a diversas outras coisas que nos sobrevêm para provar-nos. Que faz o homem prudente? Ele toma muito cuidado com estas coisas; usa um pesado sobretudo no inverno, e talvez um cachecol; e se abstém de fazer certas coisas. Ele se protege, e protege sua fraca constituição contra alguns dos perigos que nos confrontam na vida. “Assim devem os maridos amar a suas próprias mulheres.” Você descobriu que a sua esposa tem alguma fraqueza peculiar em sua constituição pessoal? Descobriu que ela tem certas características especiais? É nervosa e tímida, ou muito franca? Não importa qual seja em particular; ela tem certas características que, num sentido, são fraquezas. Qual é a sua reação a elas? Você fica irritado, ou aborrecido? E tende a condená-las e a eliminá-las? Proceda como procede com o seu corpo, diz o apóstolo. Proteja-a contra elas, vele por ela contra essas fraquezas. Se sua esposa nasceu com temperamento inquieto, poupe-a disso, proteja-a. Faça tudo que puder para salvaguardá-la das suas fraquezas, debilidades e fragilidades; como procede com o seu corpo, proceda com sua mulher.

Depois, naturalmente, há grandes infecções que nos sobrevêm – gripes, febres, coisas que matam pessoas aos milhares. Coisas correspondentes também podem sobrevir à vida conjugal – tentações, problemas, tribulações, que provarão o casamento até os últimos limites.

Que fazemos quanto a estas coisas? Mais uma vez, que é que você faz com o seu corpo quando você pega esse tipo de enfermidade, quando sofre aquele ataque de gripe, com temperatura devastadora? A resposta é que você se mete na cama, com uma garrafa ou bolsa de água quente, sujeita-se a uma dieta apropriada, e assim por diante. Você faz tudo que pode para tratar da febre e ajudar seu corpo a resistir. “Assim devem os maridos amar a suas próprias mulheres como a seus próprios corpos.” Se houver alguma tentação ou ansiedade ou problema peculiar, excepcional, alguma coisa que prove ao máximo a sua mulher, então, digo eu, o marido deve deixar seus interesses pessoais para proteger sua esposa, ajudá-la e apoiá-la. Ela é o “vaso mais fraco”.

Isso nos leva ao último ponto. Você procura proteger o seu corpo das infecções, submetendo-se a várias inoculações. Aplique isso tudo ao estado matrimonial. Faça tudo que puder para estruturar a resistência da sua mulher, a fim de prepará-la para enfrentar os males da vida. Cabe a você estruturá-la. Não faça tudo você mesmo, vamos dizer; mas edifique-a, estruture-a de modo que ela venha a ser capaz de agir também; de maneira que, se você for levado pela morte, ela não fique sem eira nem beira. Temos que pensar em todas estas coisas, e minuciosamente, como fazemos com os cuidados com o corpo. E se sobrevier a doença, cuide dela de maneira fora do comum, dê-lhe medicamentos apropriados, altere o seu programa para fazer aquelas coisas incomuns que promoverão e produzirão o restabelecimento da saúde, do vigor e da felicidade.

Paramos por aqui. Todavia aí estivemos examinando um grande princípio que é da maior importância. O homem tem que amar sua esposa “como” – porque ela é – seu próprio corpo. “Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta” (ou “cuida dela”), “como também o Senhor à igreja.” “Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja.”

Fonte: D. M. Lloyd Jones, Vida no Espírito: no casamento, no lar e no trabalho. Exposição de Efésios 5:18 a 6:9. Editora PES. Págs. 165-175.

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