O Caráter do Povo de Cristo

“Eles não são desse mundo como também eu não sou.” – Jo 17:16.

A oração de Cristo foi por um povo especial. Ele declarou que não fazia uma intercessão universal. “É por eles que eu rogo;” ele disse. “não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus.” Lendo essa bela oração do começo ao fim, apenas uma pergunta ocorre às nossas mentes: quem são as pessoas descritas como por “eles” ou “elas”? Quem são esses indivíduos favorecidos, que partilham uma oração do Salvador, são reconhecidas por um amor do Salvador, têm seus nomes escritos nas pedras de seu precioso peitoral, e têm seus caráteres e suas condições mencionadas pelos lábios do Sumo Sacerdote diante do trono nas alturas? A resposta a essa questão é fornecida pelas palavras do nosso texto. O povo por quem Cristo ora, não é um povo deste mundo.

Eles são um povo de algum modo acima do mundo, inteiramente diferentes dele. “Eles não são do mundo como eu também não sou.”

Eu vou tratar o meu texto antes de tudo, doutrinariamente; em segundo lugar experimentalmente; e em terceiro pelo modo prático.

Primeiro, tomaremos o texto e o contemplaremos DOUTRINARIAMENTE.

A sua doutrina é que, o povo de Deus são pessoas que não são desse mundo, até como Cristo não era desse mundo. Não é tanto que eles não sejam desse mundo, como que eles “não sejam desse mundo, como Cristo também não era desse mundo.” Essa é uma distinção importante, porque se pode encontrar certas pessoas que não são desse mundo, e ainda não são Cristãos. Entre esses eu mencionaria os sentimentalistas – pessoas que estão sempre chorando e gemendo de maneiras sentimentais afetadas. Elas têm o espírito tão refinado, seus caráteres tão delicados, que elas não poderiam cuidar de negócios comuns. Elas achariam muito degradante para a sua natureza espiritual, ocupar-se de qualquer coisa ligada ao mundo. Elas vivem muito na atmosfera de romances e novelas; adoram ler coisas que trazem lágrimas aos seus olhos; elas gostariam de viver continuamente em um chalé junto a uma floresta, ou morar em uma caverna silenciosa, onde pudessem ler “A Solidão” de Zimmerman” para sempre; porque elas sentem que “não são do mundo.” O fato é que existe alguma coisa fina por demais quanto a elas suportarem o desgaste desse mundo pecaminoso. Elas são tão preeminentemente boas que elas não podem imaginar fazer como nós pobres criaturas humanas fazemos. Eu ouvi sobre uma jovem, que se achava tão mentalmente espiritualizada que não podia trabalhar. Um ministro muito sábio disse a ela, “Isso é bastante correto! Você é tão mentalmente espiritualizada que nem pode trabalhar; muito bem, você é tão mentalmente espiritualizada que não deve comer a menos que trabalhe.”

Isso a trouxe de volta de sua grande mentalização espiritual. Existe um sentimentalismo tolo dentro do qual  certas pessoas se aconchegam. Elas lêem uma parcela de livros que intoxica os seus cérebros, e então fantasiam que têm um destino elevado. Essas pessoas “não são do mundo,” verdadeiramente; mas o mundo não as quer, e o mundo não sentiria muita falta delas se elas se fossem para sempre. Existe essa coisa como “não ser do mundo,” a partir de um elevado tipo de sentimentalismo,  e ainda não sendo um Cristão apesar de tudo. Porque não é tanto “não ser desse mundo como “não ser do mundo, assim como Cristo não era do mundo.” Existem  outros também, como os nossos monges, e aqueles outros feitos indivíduos da Igreja Católica, que não são desse mundo. Eles são tão pavorosamente bons, que não poderiam de modo algum conviver conosco, criaturas pecaminosas. Eles têm que ser inteiramente diferenciados de nós.

Eles não podem usar é claro, uma bota que de algum modo se aproxime de um calçado mundano, mas têm que calçar uma sola com duas ou três tiras de couro, como o de longe afamado Pai Inácio. Não se poderia esperar deles que usassem paletós e coletes mundanos; eles devem ter vestimentas peculiares cortadas em certo estilo, como os Passionistas. Eles devem usar vestimentas particulares, roupas particulares, hábitos particulares. E nós sabemos que alguns homens “não são desse mundo,” pela pronúncia peculiar que dão a todas as suas palavras – o tipo de sabor doce, agradável e amanteigado que eles dão ao idioma, porque eles se acham tão eminentemente santificados que chegam a fantasiar que seria errado permitir qualquer coisa a que um comum dos mortais se permite. Tais pessoas são, contudo, lembradas que, o elas “não serem desse mundo,” nada tem a ver. Não é “não ser desse mundo,” tanto como “não ser desse mundo, assim como Cristo não era desse mundo.”

Essa é a marca que distingue – ser diferente do mundo naqueles aspectos em que Cristo era diferente. Não nos fazendo singulares em pontos irrelevantes, como aquelas pobres criaturas fazem, mas, sendo diferentes do mundo naqueles aspectos, nos quais Cristo o Filho, de Deus e o Filho do Homem, Jesus Cristo, não era da natureza do mundo; que ele não era desse mundo novamente, em missão; e acima de tudo, ele não era desse mundo em seu caráter.

Primeiro, Cristo não era desse mundo em natureza. O que existia sobre Cristo que fosse mundano? Em um ponto de vista a sua natureza era divina; e como divina, era perfeita, imaculada, sem uma mancha, não podia se rebaixar a coisas terrenas e o pecado; em um outro sentido ele era humano; e sua natureza humana, que era nascida da Virgem Maria, foi gerada pelo Espírito Santo, e, portanto, era tão pura que nela nada restou que fosse terreno. Ele não era como os homens comuns. Todos nós somos nascidos com mundanismos em nossos corações. Salomão bem diz: “A estultícia está ligada ao coração da criança.” Não é somente ali, a estultícia está presa  nela; ela está amarrada em seu coração, e é difícil de remover. E assim é com cada um de nós; quando éramos crianças, as coisas desse mundo e a carnalidade estavam ligadas às nossas naturezas. Mas Cristo não foi assim. Sua natureza não era uma natureza do mundo; ela era essencialmente diferente da de qualquer outra pessoa, ainda que ele se sentasse e conversasse com elas. Anote a diferença! Ele ficou lado a lado com um Fariseu; mas qualquer um podia ver que ele não era do mundo do Fariseu. Ele se sentou junto a uma mulher Samaritana, e ainda que ele tenha conversado com ela muito livremente, quem é que falha em ver que ele não era do mundo da mulher Samaritana – não um pecador como ela? Ele se misturou com os Publicanos, não, ele se sentou na festa dos Publicanos, e comeu com Publicanos e pecadores; mas vocês poderiam ver pelas santas ações e gestos peculiares que ali ele levava consigo, que ele não era do mundo dos Publicanos ainda que tenha se misturado com eles. Havia alguma coisa tão diferente em sua natureza, que você não poderia ter encontrado um indivíduo em todo o mundo que pudesse ter sentar ao lado dele e dito: “Aí está! Ele é do mundo desse homem.” Não, nem mesmo João, ainda que ele tenha aprendido no seu peito e participado muito do Espírito de seu senhor, seria exatamente  daquele mundo ao qual Jesus pertencia; porque mesmo ele, uma vez, com espírito irado, disse palavras com esse efeito, “mande que venha fogo do céu e consuma a esses,” – algo que Cristo não pode suportar por um momento, e por aí ficou provado que ele era alguma coisa além até, do mundo de João.

Bem amados, em algum sentido o homem Cristão não é desse mundo até mesmo em sua natureza. Eu não quero dizer em sua natureza corrupta e decaída, mas em sua nova natureza. Existe em um Cristão, alguma coisa declarada e inteiramente distinta daquela de qualquer outra pessoa. Muitas pessoas acham que a diferença entre um Cristão e um mundano consiste nisso: um vai a Igreja duas vezes no Domingo, o outro não vai mais que uma vez ou até nenhuma; um deles toma o sacramento, o outro não; um presta atenção às coisas santas, o outro presta muito pouca atenção a elas. Mas, ah, amados, isso não faz um Cristão. A distinção entre um Cristão e um mundano não é meramente externa, mas interna. A diferença é de natureza e não de ações.

Um Cristão é diferente de um mundano como uma pomba o é de um gralha, ou um cordeiro de um leão. Ele não é do mundo até em sua natureza. Vocês não poderiam fazer dele um mundano. Vocês podiam o que quisessem; vocês poderiam causar a sua queda em algum pecado temporário; mas não poderiam fazer dele um mundano. Vocês poderiam causar-lhe a apostasia; mas não poderiam fazer dele um pecador, como ele era antes. Ele não é do mundo pela sua natureza. Ele é um homem nascido pela segunda vez; nas suas veias corre o sangue da família real do universo. Ele é um nobre; ele é um filho nascido no céu. A sua liberdade não é daquelas meramente compradas, mas ele tem a sua liberdade em sua natureza de nascido de novo; ele é essencial e inteiramente diferente do mundo. Existem pessoas agora nesta capela que são mais completamente distintas umas das outras do que vocês podem até mesmo conceber. Eu tenho uns aqui que são inteligentes, e alguns que são ignorantes; alguns que são ricos, e alguns que são pobres; mas eu não me refiro a essas distinções: elas se dissolvem e viram em nada, naquela grande distinção – morto ou vivo, espiritual ou carnal Cristão ou mundano. E oh! Se vocês são o povo de Deus, então vocês não são do mundo nas suas naturezas; se vocês “não são deste mundo, assim como Cristo não era deste mundo.”

Novamente: vocês não são do mundo em suas missões. A missão de Cristo nada tinha a ver com as coisas mundanas. “Sois então um rei?” Sim, eu sou um rei; mas o meu reino não é deste mundo. “Sois um sacerdote?” Sim: eu sou um sacerdote; mas o meu sacerdócio não é o sacerdócio que eu em breve porei de lado, ou que será interrompido como aqueles de outros têm sido. “Sois um mestre?” Sim; mas as minhas doutrinas não são as doutrinas da moralidade, doutrinas que dizem respeito relacionamentos terrenos de homem para homem simplesmente; a minha doutrina vem dos céus. Portanto, Jesus Cristo, nós dizemos, “não é deste mundo.” Ele não tinha uma missão a que pudesse ser dado o nome de mundana, ele não tinha objetivo que fosse de algum modo mundano.

Ele não buscava o seu próprio aplauso, sua própria fama, sua própria honra; sua missão não era deste mundo. E, Oh! crente! Qual é a sua missão? Você não tem nenhuma afinal? Porque, sim homem! Você é um sacerdote junto ao Senhor teu Deus;

sua missão é oferecer um sacrifício de oração e louvor a cada dia. Pergunte a um Cristão o que ele é. Diga a ele: “Qual é a sua posição oficial? O que você é por missão?” Bem, se ele responder a você com propriedade, ele não vai dizer “eu sou lojista, ou farmacêutico,” ou qualquer coisa desse tipo. Não, ele vai dizer, “eu sou um sacerdote junto ao meu Deus. A missão para a qual eu sou chamado é ser o sal da terra. Eu sou uma cidade construída sobre um monte, uma luz que não pode ser escondida. Essa é a minha missão. Minha missão não é uma missão do mundo.” Quer seja a sua missão a de ministro, ou de diácono, ou membro da Igreja, não ser desse mundo é a sua missão, assim como Cristo não era desse mundo; a sua ocupação não é uma ocupação mundana.

Novamente,    vocês não são do mundo no caráter; porque este é o ponto principal no qual Cristo não era deste mundo. E agora irmãos, eu terei de algum modo de sair da doutrina para a prática antes de ir diretamente a este parte do assunto; porque eu tenho que reprovar muitas das pessoas do Senhor, que elas não manifestam suficientemente que não são do mundo no caráter, mesmo como Cristo não era deste mundo. Oh! quantos de vocês existem, que irão se reunir em volta da mesa na Ceia do seu Senhor, que não vivem como o seu Salvador. Quantos de vocês existem que, se unem às nossa Igrejas e andam conosco, e ainda não são dignos de seu chamado e profissão. Marquem todas as igrejas nas redondezas, e deixem que os seus olhos lacrimejem, quando vocês se lembrarem de que de muito de seus membros não pode ser dito, “vocês não são deste mundo,” porque eles são do mundo.

Oh! meus ouvintes, eu receio que muitos de vocês sejam mundanos, carnais e cobiçosos; e vocês ainda se juntam às igrejas, e têm uma boa posição com o povo de Deus através de uma profissão de fé hipócrita. Oh! vocês sepulcros caiados! Vocês enganariam até os próprios eleitos! Vocês lavam o exterior do copo e do prato, mas a sua parte interior é pura perversidade. Oh! que uma voz pudesse assim falar aos seus ouvidos: “aqueles a quem Cristo ama não são deste mundo,” mas vocês são do mundo; portanto não podem ser dele, ainda que professem ser; porque aqueles que O amam não são como vocês. Olhem para o caráter de Jesus; como é diferente do de qualquer outro homem – puro, perfeito, sem mácula, tal como devia ser a vida do crente. Eu não pleiteio pela possibilidade de uma conduta sem pecado para os Cristãos, mas eu tenho que afirmar que a graça faz o homem ser diferente, e que o povo de Deus será muito diferente de outros tipos de pessoas. Um servo de Deus será um homem de Deus em todos os lugares. Como farmacêutico ele não pode ceder a qualquer truque que esses homens podem aplicar com suas drogas; como dono de mercearia – se não for só história que se fazem essas coisas – ele não pode misturar folhas de ameixeira com chá ou zarcão na pimenta; se ele praticasse qualquer outro tipo de negócio, não poderia por um momento condescender com essas substituições mesquinhas, chamadas “métodos de comércio.” Para ele não é o que é chamado “negócio;” é o que é chamada de Lei de Deus, ele sente que não é desse mundo, consequentemente ele vai contra seus modismos e máximas.

Uma história singular  é contada de um certo Quaker. Um dia ele estava se banhando no Tâmisa, e um aguadeiro o chamou: “Há! Lá vai um Quaker.”

“Como você sabe que eu sou um Quaker?” “Porque você está nadando contra a correnteza; é o que os Quakers sempre fazem.” Isso é o que os Cristãos deveriam fazer

sempre – nadar contra a correnteza. O povo do Senhor não devia acompanhar o resto em suas coisas mundanas. Seus caráteres deveriam ser visivelmente diferentes. Vocês deviam ser homens que seus companheiros pudessem reconhecer sem qualquer dificuldade, e dizer, “Este homem é um Cristão.” Ah! Amados, seria para confundir o próprio anjo, Gabriel, dizer se alguns de vocês são Cristãos ou não, se ele fosse enviado ao mundo para escolher os justos de entre os perversos. Ninguém a não ser Deus poderia fazer isso, porque nestes dias de religiões mundanas eles são muito parecidos.  Foi um mau dia para o mundo quando os filhos de Deus e as filhas dos homens se misturaram: e são todos maus dias agora, quando Cristãos e mundanos estão tão misturados, que não se pode dizer a diferença entre eles. Deus nos guarde de um dia de fogo que possa nos devorar em conseqüência disso! Mas Oh! Amados! Os Cristãos serão sempre diferentes do mundo. Essa é uma grande doutrina, e ela será encontrada em eras vindouras como nos séculos que se passaram. Olhando para traz na história, lemos essa lição: “Eles não são do mundo, assim como eu não sou do mundo.” Nós os vemos levados às catacumbas de Roma; nós os vemos caçados como perdizes; e onde quer que na história vocês encontrem servos de Deus, vocês podem reconhecê-los pelos seus distintos e invariáveis caráteres – eles não são do mundo, mas eram um povo cheio de cicatrizes e esfolado; um povo inteiramente distinto das nações. E se nessa era, não existe gente diferente, não há quem seja achado diferente de outras pessoas, não existem Cristãos; porque os Cristãos sempre serão diferentes do mundo. Eles não são do mundo; assim como Cristo não é do mundo. Essa é a doutrina.

Mas agora para tratar este texto EXPERIMENTALMENTE.

E nós, queridos irmãos, sentimos essa verdade? Já esteve ela repousando em nossas almas, de modo que pudéssemos sentir que ela é nossa? “Eles não são do mundo, assim como eu não sou do mundo.” Alguma vez já sentimos que não somos do mundo? Talvez haja um crente sentado em um banco da igreja nesta noite que diga: “Bem senhor, eu não posso dizer que me sinta como não sendo do mundo, porque acabei de chegar da minha loja, e coisas mundanas continuam balançando à minha volta.” Outro diz: “Eu tenho estado em dificuldades e a minha mente está muito atormentada – eu não posso sentir que seja diferente do mundo: eu estou com medo de que eu seja do mundo.” Mas, amados, nós não devemos julgar a nós mesmos duramente, porque exatamente nesse momento não discernimos a marca dos filhos de Deus. Deixem-me que lhes diga, existem sempre alguns momentos de teste quando se pode dizer de que estofo um homem é feito. Dois homens vão andando. Uma parte do caminho eles vão lado a lado. Como você diz qual homem está indo para a direita e qual homem está indo para a esquerda? Quando eles chegarem à encruzilhada. Agora, nesta noite não é uma encruzilhada, porque estamos sentados com pessoas do mundo aqui, mas em outras vezes nós podemos distinguir.

Deixe-me dizer-lhes uma ou duas encruzilhadas, quando todo Cristão sentirá que ele não é deste mundo. Uma é quando, ele se vê em grandes          dificuldades. Eu acredito e  afirmo, que nós nunca nos sentimos tão por fora deste mundo como quando nós nos vemos mergulhados em dificuldades. Ah! Quando alguma criatura do nosso agrado foi levada, quando alguma benção preciosa se desvaneceu aos nossos olhos, como o lindo lírio arrancado pelo talo; quando alguma misericórdia desapareceu, como a aboboreira

Sermão (nº. 0078) Pronunciado na manhã de Domingo, 22 de novembro de 1855, na Capela de New Park Street, Southwark (Inglaterra).Tradução: Claudino Marra Jr.

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