Chamado Aos Não Convertidos

Todos aqueles que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las. (Gal. 3:10).

Meu querido ouvinte. Você está convertido ou não? De sua resposta a esta questão dependerá a forma pela qual me dirigirei a você neste dia.

Queira, eu lhe rogo, pela tua alma, esquecer por alguns momentos que você se encontra num lugar de culto, ouvindo um ministro do Evangelho, que prega a um auditório numeroso. Tente imaginar que você está sentado em sua casa, em sua sala, e que eu estou ao seu lado, sua mão na minha, conversando sozinho com você; porque é assim que eu desejo falar neste momento a cada um dos que me escutam. Eu repito então, meu querido auditório, a questão soberanamente importante e solene que já coloquei, e eu lhe conjuro a responder como na presença de Deus. Você está em Cristo ou fora dele? Você procurou um refúgio junto daquele que é a única esperança do pecador? Ou você ainda é um estrangeiro na república de Israel, longe de Deus e fora das promessas de seu santo Evangelho?

Vejamos, meu irmão, sem hesitação ou falsas desculpas; seja sincero e que sua consciência responda SIM ou NÃO à minha pergunta. Porque, de duas coisas, uma: ou você está sob o peso da cólera de Deus, ou está livre dessa ira. Não há outra alternativa. Sim, você é neste momento mesmo, herdeiro da maldição divina, ou herdeiro do reino da graça. Qual desses dois estados é o seu? Você é que tem de dizer. E que não haja “se” ou “talvez” em sua resposta, mas que ela seja clara, leal, categórica. Se você tem ainda dúvida a este respeito, eu lhe suplico, não dê repouso a sua alma até que a dúvida se dissipe. Sobretudo, não se apresse em interpretar a dúvida em proveito próprio; antes a considere como uma forte presunção contra você. É mais provável, creia, que você esteja no mau estado que no bom. Agora então, ó meu irmão, ponha sua alma na balança e se um dos pratos não pesa mais que o outro, mas os dois se mantêm perto do equilíbrio, de tal sorte que você seja obrigado a dizer “Eu não sei qual”, lembre-se que é melhor você decidir a questão pelo pior, ainda que isso seja terrível, do que resolver esta questão pelo bem, correndo o risco de se deixar seduzir e continuar a viver sob uma segurança presunçosa, até que você finalmente reconheça sua fatal ilusão no abismo do inferno.

Pode você então, com uma mão posta na Palavra de Deus e outra em seu próprio coração, elevar neste instante seus olhos para o céu e dizer com uma humilde segurança: “Eu sei uma coisa, que estava cego e agora vejo; eu sei que passei da morte para a vida; eu sou o primeiro dos pecadores, mas Jesus morreu por mim e a menos que eu me engane da maneira mais terrível, eu sou desde agora um dos resgatados por Cristo, um monumento da graça de Deus?” Você pode, em boa consciência, me dar essa resposta? Se é assim, ó meu irmão, a paz de nosso Senhor seja contigo! Que a bênção do Altíssimo repouse sobre sua alma! Não tema; as palavras que vamos meditar não serão mais como raios para você. Leia o versículo 13 do capítulo que tirei meu texto, e aí você encontrará a confirmação gloriosa de suas esperanças – Cristo foi feito maldição por nós, porque está escrito: maldito o que for pendurado no madeiro.

Se então é verdade que você é um filho de Deus, convertido e regenerado, eu repito, você não tem nada a temer, porque Cristo se fez maldição em seu lugar.

Mas tenho a convicção de que a grande maioria desta assembléia não poderia me dar uma resposta semelhante; e você em particular, meu querido ouvinte (porque quero continuar a me dirigir pessoalmente a você), você não ousaria, não é verdade, falar assim, porque você é estranho à aliança da graça. Você não ousaria mentir a Deus e à sua consciência; por causa disso você diz com uma franqueza que lhe honra: “Eu sei que nunca fui regenerado; eu sou hoje o que tenho sido em todo o tempo”. Portanto, é com você que eu quero falar, ó homem! E eu lhe conjuro, por Aquele que haverá de julgar os vivos e os mortos, por Aquele diante do qual eu e você deveremos logo comparecer; eu lhe conjuro a escutar com atenção o que tenho a lhe dizer da parte do Senhor, lhe lembrando que este apelo talvez seja o último que lhe será dado a ouvir! E eu te conjuro também, ó minha alma, a falar com fidelidade a estes homens mortais que te cercam, por medo que no último dia, o sangue de suas almas não seja encontrado em roupa, e que tu mesma não sejas reprovada!

Ó Senhor, leve-nos todos a um estado de reverência e introspecção. Queira nos dar, neste momento, ouvidos que ouçam, uma memória que retenha e uma consciência que seja tocada por teu Espírito, pelo amor de Jesus!

Nós dividiremos este discurso em três partes. Primeiro, NÓS JULGAREMOS O ACUSADO; em segundo lugar, NÓS PRONUNCIAREMOS SUA SENTENÇA; e finalmente, se ele se reconhecer culpado e se arrepender (somente nestas condições), NÓS LHE ANUNCIAREMOS A LIBERTAÇÃO.

Primeiro, façamos o JULGAMENTO DO ACUSADO.

Meu texto diz assim: maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no livro da Lei para as praticar. Homem não convertido, eu lhe pergunto, você é culpado ou não culpado? Você tem perseverado em todas as coisas que estão escritas no livro da Lei? Na verdade, me parece quase impossível que você ouse sustentar sua inocência; mas quero supor, por um instante, que você tenha a triste coragem de fazê-lo. Quero supor que você diga ousadamente: “Sim, eu persevero em todos os mandamentos da Lei.” É o que nós vamos examinar, meu caro ouvinte; e antes de tudo, permita-me lhe perguntar se você conhece esta lei que você diz cumprir.

Eu vou lhe dar um simples resumo que chamarei exterior, mas lembre-se que ela possui um sentido interior e espiritual infinitamente mais amplo que seu sentido literal. Escute então o primeiro mandamento da Lei:

NÃO TERÁS OUTRO DEUS DIANTE DE MIM.

O quê? Você jamais amou outra coisa além de seu Criador? Você sempre lhe deu o primeiro lugar em suas afeições? Você não tem feito um Deus de seu ventre, ou de seu comércio, ou de sua família, ou de sua própria pessoa? Oh! Você certamente não ousará negar que este primeiro mandamento lhe condena! E o segundo, você o tem obedecido melhor?

NÃO FARÁS PARA TI IMAGEM DE ESCULTURA, NEM ALGUMA SEMELHANÇA DO QUE HÁ EM CIMA NOS CÉUS, OU EM BAIXO NA TERRA, NEM NAS ÁGUAS DEBAIXO DA TERRA.

O quê! Você jamais se curvou diante da criatura?

Jamais colocou qualquer objeto terrestre no lugar de Deus? De minha parte, eu lhes declaro para minha vergonha, que tive ídolos em minha vida; e se sua consciência fala com sinceridade, estou certo que ela lhe dirá também: “Ó homem! Você tem sido um adorador de Mammon, um adorador de seus sentidos; você tem se prostrado diante de seu dinheiro e seu ouro; você tem se inclinado lhes dando honra e dignidade; você tem feito um Deus de sua intemperança, um Deus de suas cobiças, um Deus de sua impureza, um Deus de seus prazeres!

E o terceiro mandamento.

NÃO TOMARÁS O NOME DO SENHOR TEU DEUS EM VÃO.

Você ousaria sustentar que não o tem violado? Você jamais proferiu juramentos grosseiros, ou palavras blasfemas; não empregou ao menos irreverentemente o nome de Deus, em suas conversas comuns? Diga-me: você tem sempre santificado este nome, três vezes santo? Você nunca o pronunciou sem necessidade? Você nunca leu o livro de Deus distraidamente e com pressa? Você nunca escutou a pregação do Evangelho, sem respeito e recolhimento? Oh! Certamente, aqui também, você tem que se confessar culpado.

E quanto ao quarto mandamento, que trata da observação do sábado.

LEMBRA-TE DO DIA DE DESCANSO PARA O SANTIFICAR.

Há alguém bastante atrevido para dizer que nunca o transgrediu? Oh! Homem, ponha então sua mão na boca e reconheça que estes quatro mandamentos bastariam para lhe convencer do pecado e para despejar sobre você a justa cólera de Deus!

Mas continuemos nosso exame.

HONRA A TEU PAI E A TUA MÃE.

O quê! Você pretende não ser culpado neste ponto? Em sua juventude, você nunca os desobedeceu? Você nunca se rebelou contra o amor de sua mãe, nem desprezou a autoridade de seu pai? Folheie as páginas de seu passado. Veja se em sua infância, ou mesmo em sua idade madura, você sempre falou com seus pais como deveria fazer; veja se você sempre os tratou com a honra que eles têm direito e que Deus lhe ordenou lhes dar.

NÃO MATARÁS.

É possível, meu caro ouvinte, que você não tenha violado a letra deste mandamento; é possível que você não tenha tirado a vida a um de seus semelhantes; mas você nunca se deixou dominar pela cólera? Ora, a Palavra de Deus declara expressamente que aquele que se encoleriza contra seu irmão, é um assassino (I Jo 3:15). Julgue, depois disso, se você é ou não culpado.

NÃO COMETERÁS ADULTÉRIO.

Talvez você tenha cometido coisas abomináveis, e esteja mergulhado hoje mesmo, nas mais vergonhosas luxúrias; mas, admitindo que você tenha sempre vivido na castidade mais perfeita, você pode dizer, ó meu irmão, que você não tem nada a lhe reprovar neste mandamento, quando você se coloca na presença destas solenes palavras do Mestre: qualquer que olhe uma mulher para a cobiçar, já cometeu adultério com ela em seu coração (Mt 5:28). Nenhum pensamento lascivo atravessou seu espírito? Nenhum desejo impuro manchou sua imaginação? Oh! Certamente, se sua fronte não é dura como o bronze, se sua consciência não estiver inteiramente cauterizada, sua resposta a estas questões não deixaria dúvidas.

NÃO FURTARÁS.

Você jamais roubou alguém? Talvez, nesta manhã mesma, você tenha cometido um furto, e se encontra aqui, em meio ao povo, ainda com o produto do seu latrocínio; mas ainda que você seja de uma probidade exemplar, entretanto, não houve momentos em sua vida, em que você provou um secreto desejo de enganar seu próximo? Eu vou mais longe – você nunca cometeu, às escuras e em silêncio, algumas daquelas fraudes, que mesmo não sendo contrárias às leis de seu país, não deixam de ser infrações manifestas da santa Lei de Deus?

E quem de nós seria tão audacioso em afirmar que tem obedecido perfeitamente ao nono mandamento?

NÃO DIRÁS FALSO TESTEMUNHO CONTRA TEU PRÓXIMO

Nunca demos ocasião à calúnia? Nós não temos, freqüentemente, interpretado mal as intenções de nossos semelhantes?

E o último mandamento.

NÃO COBIÇARÁS.

Onde está o homem que não tenha pisado este mandamento com os pés?

Quantas vezes não temos desejado mais do que Deus nos tem dado? Quantas vezes nossos corações carnais não têm suspirado pelos bens que o Senhor em sua sabedoria julgou melhor nos recusar? Ah! meus amigos; sustentar nossa inocência diante da Lei de Deus, não seria isso, lhes pergunto, um ato de verdadeira loucura?  E não lhes parece que a simples leitura desta Lei santa deveria bastar para extrair de nós, cheios de humilhação e penitência, esta frase:

“Nós somos culpados, Senhor, somos culpados em todos os pontos?”

Mas ouço alguém me dizer: “Não, não quero me reconhecer culpado.

Certamente, não teria a pretensão de perseverar em todas as coisas que estão escritas no livro da Lei, mas ao menos, fiz o que pude. Isto é falso, ó homem!

Você se engana e mente diante da face de Deus! Não, você não fez tudo que é possível  para  perseverar  no  bem.  Em  milhares situações de sua vida, você deveria ter agido melhor do que agiu. O quê! Este homem ousaria afirmar que fez o possível para agradar a Deus, quando o vejo assentado no banco dos escarnecedores, e insultar seu Criador até em seu santuário? O quê! Todos que estamos aqui, não teríamos podido, se tivéssemos querido, resistir àquela tentação, evitar aquela queda cuja lembrança nos condena? Se nós não fôssemos livres para escapar do mal, sem dúvida seríamos desculpados ao cair; mas quem de nós não é forçado a reconhecer que houve em sua vida momentos solenes, nos quais chamado a escolher entre o bem e o mal, resolutamente escolheu o mal e virou as costas ao bem, andando assim, sabendo e querendo, no caminho que conduz ao inferno?”

“Ah! Exclama um outro, é verdade que infrinjo a Lei de Deus, mas não sou pior do que aqueles que me cercam”. Pobre argumento é este, meu caro ouvinte, ou melhor, de fato nem pode ser chamado assim. Você não é, assim creio, pior que o resto dos homens, mas lhe rogo, em que isto lhe é vantagem ? Será uma coisa menos terrível ser condenado em companhia, ainda que seja, de um único perdido? Quando, no último dia, Deus disser aos ímpios: Vão, malditos, para o fogo eterno! Você crê que esta terrível sentença lhe será mais doce, porque ela será dirigida aos milhares, tanto quanto a você?

Se o Senhor precipitasse uma nação inteira no inferno, cada indivíduo sentiria tão vivamente o peso desse castigo, como se fosse o único a carregá-lo. Deus não é como os juízes da terra: se os tribunais fossem entulhados de acusados, talvez fossem tentados a passar levemente por sobre mais de um processo; mas o Altíssimo não agirá assim. Infinito em todas as suas faculdades, o grande número de criminosos não será obstáculo para Deus. Ele se mostrará tão justo e inflexível com você, como se não existisse outro pecador como você. Além disso, que você tem, eu rogo, com os pecados de outrem? Você não é responsável, porque cada um levará seu próprio peso. Deus lhe julgará segundo suas obras e não segundo as dos outros. As faltas da mulher de vida má, podem ser mais grosseiras que as suas, mas não se lhe pedirá conta de suas iniqüidades. O crime do assassino pode revelar muito aos meus olhos sobre suas próprias transgressões, mas você não será condenado por ele. Fixe bem em seu espírito, ó homem, que a religião é um negócio entre Deus e você, por isso, lhe conjuro, olhe seu próprio coração e não o de seu próximo.

Sermão nº. 174 – Pronunciado na noite de Domingo, 8 de novembro de 1857,

na Capela de New Park Street, Southwark (Inglaterra). Tradução: Paulo Athayde

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