Durante o último século, dois erros cardeais foram cometidos a respeito de muita coisa contida nos Evangelhos – erros que têm prevalecido muito entre cristãos professos e que têm produzido grande destruição. Cada um desses erros dizem respeito àquela interpretação e aplicação do conteúdo dos quatro Evangelistas quanto ao que pertence e o que não pertence ao povo do Senhor hoje. O primeiro desses erros foi dispensacional. Foi erroneamente adotada a opinião de que, como o ministério de nosso Senhor limitou-se à Palestina, enquanto o Templo ainda estava de pé em Jerusalém, este foi, portanto, de caráter exclusivamente “judaico”, e os santos de nossa era devem voltar-se apenas para as Epístolas do Apóstolo dos gentios em busca de suas ordens de marcha. Tal erro é refutado pelos versos iniciais de Hebreus (onde o ministério de Cristo é contrastado com o dos Profetas), e pelo fato de que a grande divisão de tempo entre a.C. e d.C. é datada a partir do nascimento de Cristo, e não da Sua morte ou mesmo da Sua ascensão.
O segundo erro é prático. Aqui o pêndulo balançou para o extremo oposto. No primeiro caso, uma tentativa insidiosa e persistente foi feita para privar os santos de uma parte valiosa da sua legítima herança, tirando deles preceitos necessários e promessas preciosas sob o pretexto de que eram propriedade exclusiva dos judeus. Mas, no último caso, que agora deve ocupar mais completamente a nossa atenção, promessas que foram feitas a uma classe particular foram distribuídas universalmente, promessas que pertenciam apenas aos apóstolos e aos cristãos primitivos têm sido erroneamente aplicadas a todos os crentes em geral. O resultado foi que falsas expectativas foram geradas, vãs esperanças despertadas, selvagem fanatismo encorajado – e aqueles que entraram em contato com esta perversão da Verdade têm visto que efeitos trágicos se seguiram – milhares fazendo completo naufrágio da fé.
Sem dúvida parecerá a alguns de nossos amigos que estamos pisando agora em solo delicado, pois assegurar-lhes de que alguma das promessa feitas por Cristo aos Seus discípulos, promessas que vários de nossos leitores podem ter aprendido que são bases legítimas para apoiarem a sua fé, não pertencem – em seu sentido primário – de modo algum a eles, deve se mostrar inquietante e desapontador. Portanto, prosseguiremos cuidadosa e lentamente, e pediremos que ponderem com especial diligência o que se segue. “E estes sinais seguirão aos que crerem: Em Meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão” (Mc 16:17, 18). Ora, estas são as palavras do Senhor Jesus, mas será podemos nos apropriar delas hoje e esperar um cumprimento literal das mesmas? Há aqueles que respondem com um enfático Sim, embora duvidemos muito de que muitos leitores regulares destas páginas façam isso.
Ora, os versos que acabamos de citar dizem respeito aos milagres que acompanharam a pregação do Evangelho nos primeiros dias desta dispensação cristã, e é preciso notar devidamente que esses milagres resultaram do exercício da fé. Isto acreditamos que será tão evidente para os nossos leitores que não ocasionará nenhuma dificuldade. Mas existem outras passagens nos Evangelhos que tratam do mesmo assunto – promessas similares dos lábios do Salvador que podem não parecer tão simples – e é a elas que nos voltamos agora. “E, tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis” (Mt 21:22). Esta mesma promessa, ligeiramente diferente, encontra-se novamente em: “Por isso vos digo que todas as coisas que pedirdes, orando, crede receber, e tê-las-eis” (Mc 11:24). Quantas vezes esta promessa tem sido apropriada por cristãos e sinceramente pleiteada diante de Deus, apenas para não receber nenhuma resposta. Os tais têm atribuído esta falta de resposta ao fracasso da sua fé (ou são informados de que esta é a causa), ao invés de perceberem que estavam apoiando a sua fé em um fundamento ilegítimo.
“E, tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis” (Mt 21:22). Nossa primeira preocupação deve ser averiguar a quem essas palavras foram primeiramente dirigidas, e a circunstância que as ocasionou – considerações que geralmente são de primeira importância como auxílios a uma verdadeira aplicação de um verso, pois, se o contexto é ignorado, equívocos certamente se seguirão. Os versos imediatamente precedentes registram a maldição de nosso Senhor sobre a figueira e o efeito que isto causou sobre aqueles que O assistiam. O verso 20 diz: “E os discípulos, vendo isto, maravilharam-se, dizendo: Como secou imediatamente a figueira?”. Marcos nos diz: “E Pedro (o porta-voz dos apóstolos), lembrando-se, disse-Lhe: Mestre, eis que a figueira, que Tu amaldiçoaste, se secou” (11:21). Foi então que Cristo respondeu: “Em verdade vos digo que, se tiverdes fé e não duvidardes, não só fareis o que foi feito à figueira, mas até se a este monte disserdes: Ergue-te, e precipita-te no mar, assim será feito; e, tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis” (Mt 21:21, 22).
Deve ser lembrado que, em uma data anterior, Cristo havia designado 12 de Seus discípulos para pregarem o Evangelho e realizarem milagres em confirmação à sua comissão. “E, chamando os Seus doze discípulos, deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, para os expulsarem, e para curarem toda a enfermidade” (Mt 10:1) – esses poderes miraculosos eram primariamente aquilo a que Paulo se referia quando falou que “os sinais do Seu apostolado foram manifestados entre vós” (2 Co 12:12). Lucas nos informa que, “depois disto designou o Senhor ainda outros setenta, e mandou-os adiante da Sua face, de dois em dois, a todas as cidades e lugares aonde Ele havia de ir” (10:1), mandando que “curassem os enfermos” (v. 9). Os mesmos devidamente voltaram e declararam: “Pelo Teu nome, até os demônios se nos sujeitam” (v. 17). Assim, fica bastante claro que a promessa de Mt 21:22 foi feita àqueles que estavam na posse de poderes miraculosos, e era designada para o seu encorajamento pessoal.
Antes de avançarmos, assinale-se que o que estamos apresentando neste artigo não é novidade de nossa própria invenção, mas antes uma linha de interpretação (ah, desconhecida de muitos nesta época superficial) exposta por muitos eminentes servos de Deus do passado. Por exemplo, em suas notas sobre Mt 21:21, 22, Thomas Scott escreveu: “Quando Jesus observou a surpresa dos discípulos, Ele novamente lhes mostrou a energia da fé, com uma referência especial ao poder de operar milagres em Seu nome. Sempre que uma ocasião apropriada para realizar um milagre em apoio à sua doutrina se oferecesse, e fossem confiando no Seu poder e não duvidando da Sua cooperação, eles não apenas seriam capacitados a realizar obras tão maravilhosas como a de secar a figueira infrutífera, mas até o Monte das Oliveiras, pelo qual estavam então passando, poderia, à sua palavra, ser removido e lançado no mar! Ou seja, nada que empreendessem seria impossível para eles”. Do mesmo modo, Matthew Henry também disse sobre Mc 11:22, 23, “Isto deve ser aplicado primeiro àquela fé de milagres com que os apóstolos e os primeiros pregadores do Evangelho foram dotados, os quais fizeram maravilhas em coisas naturais”.
Indaguemos, a seguir, quanto à extensão desta promessa: “Tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis”. Embora esta linguagem seja indefinida e não limitada, não estamos autorizados a tirar a conclusão de que deva ser tomada sem qualquer limitação. A partir do contexto imediato, fica bastante claro que esta promessa dizia respeito exclusivamente à operação de milagres. O objetivo de Cristo era assegurar os Seus apóstolos de que, se eles orassem com fé por qualquer dom ou poder sobrenatural em particular, esse dom ou poder seria concedido a eles. Mas não temos base para crer que, se aqueles apóstolos orassem por algo diferente, não importa quão firme a sua expectativa, eles receberiam o mesmo. Eles não tinham justificativa para estender os termos da promessa além do que era autorizado pelo propósito óbvio de seu Mestre naquela ocasião especial.
Embora os Doze tenham sido dotados de poderes sobrenaturais, se tivessem orado pela concessão sobre si mesmos de qualquer benção temporal ou espiritual, não haveria absolutamente nada nesta promessa particular que garantisse uma resposta a qualquer desses pedidos. Assim como nós, os apóstolos e os cristãos primitivos estavam sujeitos à pobreza, doença, e todas as provações e aflições comuns desta vida presente. Não temos motivo para duvidar de que eles – pois eram homens sujeitos às mesmas fraquezas que nós – orassem pela sua remoção ou mitigação, contudo, sabemos, a partir de outras Escrituras, que suas orações a respeito destas coisas nem sempre eram atendidas. Isto mostra de uma só vez que a promessa de Mt 21:22 não era universal, pois, neste caso, eles poderiam ter buscado quaisquer favores temporais com a mesma fé e certeza de serem ouvidos que quando orassem para que milagres fossem operados pelas suas mãos.
Mas consideremos agora a condição que nosso Senhor estabeleceu: “Tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis”. A mesma estipulação encontra-se novamente na passagem paralela: “Todas as coisas que pedirdes, orando, crede receber, e tê-las-eis” (Mc 11:24). Esta promessa feita por Cristo com respeito à operação de milagres estava assim condicionada ao exercício de um certo tipo de fé. Se aqueles aos quais ela foi feita realmente expressassem a fé exigida, então a sua fé asseguraria absolutamente o cumprimento da promessa. Por outro lado, se falhassem em expressar a fé especificada, então a sua petição não seria concedida. Assim como a maioria das promessas da Escritura, esta também era condicional.
Mateus 17 fornece-nos uma ilustração dos apóstolos sendo incapazes de realizar um milagre desejado por causa do seu fracasso em satisfazer à condição vinculada à promessa que estamos aqui considerando. Ali lemos acerca de um certo homem vindo até Cristo em favor de seu filho extremamente aflito, implorando ao Salvador para que tivesse misericórdia dele, e dizendo: “Trouxe-o aos Teus discípulos; e não puderam curá-lo” (v. 16). Após o Senhor ter curado o jovem possesso pelo demônio, Seus discípulos perguntaram por que foram incapazes de realizar este milagre. Sua resposta é instrutiva, pois confirma definitivamente o que dissemos antes: “E Jesus lhes disse: Por causa de vossa incredulidade; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível” (v. 20). A seguir, devemos indagar em que esta fé para operar milagres diferia de qualquer outro tipo de fé. A resposta: ela se apoiava em um fundamento completamente diferente. Em primeiro lugar, ela só poderia ser exercida por aqueles que haviam sido especialmente dotados de poder sobrenatural para operar milagres, o que pertencia apenas aos servos de Cristo no começo desta era cristã. E, em segundo lugar, tal fé deveria se apoiar implicitamente nas promessas específicas que Cristo havia feito aos tais, a saber, que, contando eles com a Sua assistência para capacitá-los para isto, Ele infalivelmente confirmaria a Sua palavra a respeito do mesmo. A mesma coisa pode ser vista, conforme assinalado em um parágrafo anterior, nas promessas registradas em Mc 16:17, 18. Estas eram bem distintas daquela fé que assegura a vida eterna, apoiando-se em um tipo completamente diferente de promessa. Em prova do que foi dito por último, reportamos a At 3. Ali lemos acerca do mendigo que era coxo desde o seu nascimento pedindo esmolas dos apóstolos enquanto estavam entrando no Templo. A ele Pedro disse: “Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho isso te dou. Em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, levanta-te e anda” (v. 6, e cf. “em Meu nome” em Mc 16:17). Mais tarde, explicando aos espectadores maravilhados o que havia acontecido, Pedro, após acusá-los de terem entregado o Senhor Jesus a Pilatos, declarou que Deus glorificou a Seu Filho, acrescentando, “e pela fé no Seu nome fez o Seu nome fortalecer a este” (At 3:16). Pedro, então, havia definitivamente tido fé nas promessas que haviam sido feitas aos apóstolos em Mt 21:21, 22 e Mc 16:17, 18, etc.
A fé salvífica consiste na apropriação do Evangelho pelo coração; é apegar-se ao Próprio Cristo tal como é oferecido nele aos pobres pecadores; é confiar na misericórdia de Deus no Redentor. Mas a fé para realizar milagres só poderia ser eficazmente exercida por aqueles a quem promessas especiais para a operação de tais coisas tivessem sido feitas. Cristo havia dotado os apóstolos com poderes sobrenaturais e havia dado a certeza de que Ele os assistiria na realização de sinais maravilhosos para a glória do Seu nome e a extensão do Seu reino. E essa promessa dEle devia ser o fundamento da sua fé. Assim, a fé deles tinha um fundamento tão definido e seguro para se apoiar como a nossa hoje em conexão com a vida eterna. Apesar disso, a primeira era imensamente inferior a esta última. Judas tinha uma, mas não a outra. Por isso Paulo declara que era possível naqueles dias ter fé para “remover montanhas” e, contudo, ser destituído de um santo amor (1 Co 13:2).
Depois de tudo o que foi assinalado acima, deveria ser óbvio que os cristãos hoje estão totalmente desautorizados a aplicar tal promessa a si mesmos em qualquer caso a que se sintam inclinados, e que os ministros do Evangelho estão seriamente iludindo os seus ouvintes quando lhes dizem: “Tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis”. Estamos plenamente cientes de que alguns pregadores piedosos, mas mal orientados, aplicaram tão erroneamente este texto que alguns crentes devotos tomaram esta promessa para si mesmos. Contudo, isto não é prova de que qualquer deles estivesse certo em fazer isto. Temos pessoalmente assistido a mais de um “culto de cura pela fé”, onde tal promessa era “reivindicada” pelo que estava encarregado, e testemunhamos o patético desapontamento do doente indo embora mancando em suas muletas no final. Quantas pessoas de pensamento moderado foram levadas a declarada infidelidade por tal fiasco apenas aquele Dia revelará. Talvez alguns de nossos leitores esteja começando a compreender melhor o nosso sentido quando dizemos, de vez em quando: Muitos que não entendem o sentido de um verso são frequentemente enganados pelo seu som.
“E tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis” (Mt 21:22). Já temos visto que esta promessa foi feita àqueles que haviam sido dotados de poderes sobrenaturais, e que foi dada com o propósito de encorajá-los a exercerem fé em que Cristo continuaria a assisti-los em sua operação de milagres, para a glória do Seu nome e o bem da Sua causa. Também temos demonstrado que os próprios apóstolos não tinham absolutamente nenhuma autorização para aplicar esta promessa particular a bençãos ordinárias, quer de natureza temporal ou espiritual. Deveria, portanto, ficar bem evidente que os cristãos hoje não têm nenhum direito de se apropriarem desta promessa para si mesmos e esperarem um cumprimento literal da mesma. Para deixar isto ainda mais claro, que as seguintes considerações sejam cuidadosamente ponderadas. Nem mesmo os cristãos primitivos foram todos dotados com dons sobrenaturais. Prova disto encontra-se naquela declaração do Apóstolo: “Porventura são todos apóstolos? são todos profetas? são todos doutores? são todos operadores de milagres? Têm todos os dom de curar? falam todos diversas línguas? interpretam todos?” (1 Co 12:29-30). Isto é ainda mais surpreendente pelo fato de que esses dons extraordinários abundavam mais copiosamente em Corinto do que em qualquer outra das igrejas apostólicas; contudo, estas questões, com sua forte ênfase, claramente denotam que não havia uma igualdade de dons. O propósito óbvio de Paulo aqui era suprimir, por um lado, todo o descontentamento e inveja, e, por outro, todo o orgulho e arrogância, pois ele os havia lembrado expressamente de que o Espírito reparte Seus dons “particularmente a cada um como quer” (v. 11).
A manifesta limitação da promessa que estamos aqui considerando proíbe que os cristãos hoje lhe deem uma aplicação geral e universal: “E tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis”. Há muito poucas passagens na Escritura onde a expressão “todas as coisas” deve ser entendida sem restrição, e certamente esta não é uma dessas poucas. O “e” precedente claramente se conecta ao que é dito no verso 21, e, portanto, deve significar todas as coisas que ali estão em vista, a saber, a operação de milagres. Conforme temos anteriormente assinalado, esta promessa não dava nem aos próprios apóstolos carta branca, de modo que, se orassem por qualquer coisa (desde que o fizessem com fé inabalável), seria certo que infalivelmente receberiam a mesma. Quanto menos, então, os cristãos ordinários hoje podem dar tal escopo a esta promessa!
A própria Escritura registra mais de um caso de almas piedosas sinceramente suplicando a Deus por certas coisas, e o Espírito Santo não comunicou nenhuma sugestão de que foi porque oraram incredulamente que seus pedidos não foram concedidos. Moisés (Dt 3:23-26) é um caso em questão. Do mesmo modo também Davi jejuou e orou em favor de seu filho doente para que se recuperasse, contudo ele morreu (2 Sm 12:16-19). Do mesmo modo também, nesta era do Novo Testamento, vemos que o amado Apóstolo suplicou ao Senhor três vezes para que o seu espinho na carne fosse removido (2 Co 12:7-9), contudo não foi; embora ele recebesse segurança do Senhor – “A Minha graça te basta” – para suportar a aflição. Não há dúvida de que Paulo estava familiarizado com esta promessa de Mt 21:22! Certamente, então, os cristãos agora não têm nenhum direito de exercer fé nela quando estiverem orando por alguma coisa. Se os cristãos de hoje decidirem se apropriar de Mt 21:22 para si, então eles devem fazer isto sobre o princípio de que, crendo que uma coisa é verdadeira, ela se tornará verdadeira. A linguagem usada por Cristo naquela ocasião é clara demais para ser confundida: “E tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis” – no mesmo sentido é: “Todas as coisas que pedirdes, orando, crede receber, e tê-las-eis” (Mc 11:24). Mas este princípio de que crer que uma coisa é verdadeira necessariamente a torna verdadeira é manifestamente insustentável e errôneo. Se eu orasse pela salvação de alguém que Deus não havia escolhido eternamente em Cristo, nenhuma crença de minha parte efetuaria a sua salvação; e insistir que Deus deveria salvá-la seria presunção, e não fé. Se eu estivesse seriamente doente e cresse que Deus me curaria, nenhuma crença dessa natureza realizaria a minha cura; e, se essa não fosse a vontade do Senhor para mim, então tal “crença” seria fanatismo, e não fé.
Como os cristãos de nosso tempo não têm direito de se apropriarem desta promessa especial para si, eles não têm nenhuma autorização para pedirem qualquer favor, seja temporal ou espiritual, privado ou público, absoluta e insubmissamente. A verdadeira oração não é um esforço de trazer a vontade divina em sujeição à nossa, mas de procurar submeter as nossas vontades às de Deus. O que o Senhor predestinou não pode ser mudado por qualquer apelo nosso, pois nEle não há “mudança, nem sombra de variação” (Tg 1:17). Os decretos eternos de Deus foram moldados por bondade perfeita e sabedoria inerrante, e, portanto, Ele não tem necessidade de abandonar a execução de qualquer parte deles: “Mas, se Ele resolveu alguma coisa, quem então O desviará? O que a Sua alma quiser, isso fará” (Jó 23:13). É uma idéia extremamente grotesca e desonrosa para Deus supor que a oração foi designada com o propósito de a criatura exercer os seus poderes persuasivos de modo a induzir o Todo-poderoso a dar alguma coisa que Ele não queira conceder.
“Esta é a confiança que temos nEle, que, se pedirmos alguma coisa, segundo a Sua vontade, Ele nos ouve” (1 Jo 5:14). Ah, é nisto que precisamos nos apegar e de acordo com isto precisamos agir nesta era barulhenta e presunçosa. Chegamos ao Trono da Graça não como ditadores, mas como suplicantes. Aproximamo-nos daquEle que está assentado nele não como iguais, mas como mendigos. Vamos ali não para exigir os nossos direitos, mas para suplicar favores. Não ficamos de pé em nossa dignidade, mas dobramos os joelhos em consciente indignidade. Apresentamos não ultimatos, mas fazemos “petições”. E essas petições não fazemos em um espírito de auto-afirmação, mas em humilde submissão. Se nos aproximamos do Trono da Graça de uma forma correta, vamos aí conscientes da nossa ignorância e insensatez, plenamente seguros de que o Senhor conhece muito melhor do que nós o que seria bom nos conceder e o que seria melhor nos recusar.
Deus propôs infalivelmente quando e onde e sobre quem Ele concederá o Seu favor, e os cristãos não têm nenhum direito, e, quando em seu são juízo, nenhum desejo de pedir que Ele altere alguma das Suas determinações a respeito seja deles mesmos ou de outros. Consequentemente, como eles não têm meios de saber de antemão o que Ele decretou concernente à concessão de algum favor específico, eles não têm justificativa para Lhe pedir absolutamente qualquer coisa, mas antes devem proferir cada pedido com franca submissão à Sua boa vontade. Eles podem desejar grandemente ver a salvação de alguma pessoa particular, mas, como não sabem se ela é um dos eleitos de Deus, eles não devem pedir isto incondicionalmente, mas sujeitos ao Seu propósito divino. Eles podem ter algum amado gravemente doente, e, embora seja tanto o seu dever como privilégio pedir pela sua recuperação, eles não devem orar por isso absolutamente, mas em sujeição à vontade de Deus.
Cristo nos deixou um exemplo perfeito de submissão em oração, assim como em tudo o mais. Contemple-O no jardim do Getsêmane – a antecâmara do Calvário – entrando em Seus sofrimentos inconcebíveis. Note a Sua postura: Ele não está ereto, mas sobre os Seus joelhos, e depois sobre a Sua face. Ouça a Sua linguagem: “Pai, se queres, passa de Mim este cálice; todavia não se faça a Minha vontade, mas a Tua” (Lc 22:42). Era o Seu santo desejo que o Pai removesse aquele cálice terrível dEle, se graciosamente Lhe aprouvesse fazer isto; mas, se não, Ele pedia que a Sua petição fosse negada e a vontade de Seu Pai cumprida. Será que podemos, em face disto, meu leitor, chegar perante Deus e insistir que algum pedido nosso seja concedido, independente de estar ou não de acordo com a vontade divina? Decerto que não; antes, devemos sinceramente buscar graça para emularmos o exemplo deixado para nós pelo Redentor.
De fato, é triste testemunhar e ler acerca de muita coisa que está sucedendo no mundo religioso atual. Não é também que o espírito ilegal da época tenha tido uma influência maligna sobre as igrejas; antes, o mal começou nas igrejas e depois infestou a sociedade em geral. A Lei de Deus foi banida dos púlpitos antes que a ilegalidade se tornasse tão predominante no estado. A irreverência caracterizou os bancos antes que a infidelidade andasse à espreita pelas ruas. O Altíssimo foi insultado na oração pública antes que se tornasse coisa comum tomar o Seu nome em vão no palco e nos programas de rádio. Ao invés de se curvarem perante o Trono da Graça, muitos conduziram suas “devoções” públicas como se eles mesmos ocupassem esse Trono. Submissão genuína e sem reservas à vontade divina agora é uma coisa do passado, exceto entre aquele insignificante remanescente ao qual foi dado, pela Sua graça, corações quebrantados e contritos.
Como os cristãos não têm nenhum direito, nesta época, de exercerem fé na promessa de Mt 21:22, então, claramente eles não têm nenhum direito de exercer fé em seus próprios sentimentos peculiares. Os próprios apóstolos que possuíam poderes sobrenaturais não criam que absolutamente todas as coisas que pedissem seriam concedidas a eles porque tinham sentimentos peculiares a respeito daquilo que pediam; mas eles criam que, quando pedissem que um milagre fosse operado por eles, Cristo os capacitaria para isto, porque eles baseavam a sua fé na Sua promessa para esse fim. Eles sabiam que a promessa fora feita à sua fé, e não aos seus sentimentos. Este sendo o caso dos próprios apóstolos, quanto menos o cristão ordinário pode agora reivindicar um cumprimento de Mt 21:22 por causa de algum forte sentimento a que ele esteja sujeito!
Mas, embora os cristãos hoje não tenham uma promessa para se apoiar tal como a de Mt 21:22, alguns deles têm um profundo sentimento de que aquilo pelo que oram será concedido. Isto é absolutamente errado e repreensível. Não temos absolutamente nenhuma garantia escriturística para basear a nossa confiança de sermos ouvidos em algum sentimento, por mais profundo e persistente, e não devemos esperar que Deus nos responda a menos que possamos alegar alguma promessa Sua. Não há promessas na Palavra feitas a quaisquer sentimentos. Todas as promessas do Evangelho são feitas a santos exercícios ou afeições, e a nada a que os homens sejam totalmente passivos. Nossos corações são enganosos mais do que todas as coisas, e aqueles que se apoiam em impulsos interiores e sentimentos secretos estão em grande perigo de incorrer nos erros mais grosseiros e nas ilusões mais brutais. Tanto espíritos maus como o Espírito Santo podem impressionar nossas mentes.
Muitos têm orado por favores particulares com a certeza equivocada de que, se os pedirem com fé resoluta, esses favores certamente lhes serão concedidos. Esta idéia “levou George Whitefield a esperar confiantemente aquilo que ele não tinha direito de esperar confiantemente. Ele tinha um filhinho amável e promissor, que ele ardentemente desejava e orava para que pudesse ser um ministro eminentemente útil; e ele teve sentimentos tão fortes e favoráveis a seu respeito que esperava confiantemente que o mesmo seria aquilo que ele desejava e orava ardentemente que fosse. Mas seu filho morreu quando tinha por volta de quatro anos, e o evento não apenas o desapontou, mas curou-o de seu erro” (N. Emmons, a quem somos endividados por vários pensamentos nesta discussão). Podemos acrescentar que, quando C. H. Spurgeon estava morrendo, dezenas de milhares jejuaram e ofereceram oração especial para que sua vida fosse poupada; mas, como a sequência mostrou, isso não estava de acordo com a vontade de Deus.
Ao procurar corrigir um erro, devemos nos esforçar por nos guardarmos de outro. Embora a promessa de Mt 21:22 não diga respeito a nós hoje, existe grande número de promessas tanto no Antigo como no Novo Testamento que os cristãos podem legitimamente tomar para si mesmos e pleitear diante de Deus. Nessas promessas eles têm todo o encorajamento para orar com fé por aquilo que podem sensatamente desejar. Deus nunca disse à semente de Jacó: “Buscai-Me em vão”, mas assegurou-os de que, se orarem corretamente, eles serão ouvidos, e ou receberão o que pedem ou algo melhor para a Sua glória e para o seu bem. A fim de orar corretamente, eles devem orar com um desejo real pelas coisas que pedem, e com uma submissão genuína à vontade de Deus, quer Ele conceda ou negue suas petições. Quando um crente apresenta petições apropriadas a Deus, de um modo correto, fundamentado nas promessas divinas, então ele não deve duvidar nem da Sua prontidão nem da capacidade de concedê-las, quer por conta da sua própria indignidade ou por causa de alguma dificuldade no caminho. “Se pedirmos alguma coisa, segundo a Sua vontade, Ele nos ouve” (1 Jo 5:14).
Fonte: Eternal Life Ministries (https://www.
Tradução: Rodrigo Reis de Faria (08/01/2014)