Das Neue Testament Deustsch, 1522. Vorrede”.
Ao retornar da assembléia imperial de Worms, em fins de abril de 1521, Lutero foi seqüestrado” por cavaleiros do duque eleitor Frederico da Saxônia e posto em segurança no Wartburgo, a poucos quilômetros de Eisenach. Como herege excomungado pelo papa (bula de 4 de janeiro de 1521) e proscrito pelo imperador (édito de 26 de maio de 1521), corria perigo de vida. Convinha ao eleitor que permanecesse em lugar incerto e ignorado” até Segunda ordem.
Durante os meses de reclusão, de maio de 1521 a março de 1522, Lutero desenvolveu uma atividade literária espantosa. Publicou comentários aos Salmos 68, 22 e 37, ao cântico de Maria, conhecido por Magnificat (Lucas 1.46-55) e à história dos dez leprosos. Lançou obras polêmicas contra Jerônimo Emser de Leipzig, (1478-1527), sobre o sacerdócio; contra o papa, negando o dever da confissão, e contra o arcebispo Alberto da Mongúcia sobre as indulgências. Refutou, em latim, a justificativa do professor João Latromo (ca. 1475-1544) à condenação de teses luteranas pela universidade de Lovenha ( Rationis Latomianae Confutatio ). Traduziu para o alemão e publicou a refutação de Filipe Melanchton ao veredicto da universidade de Paris. Começou a redigir uma exposição sistemática das perícopes ou leituras dos evangelhos e das epístolas selecionadas para os cultos dominicais. Essa Postilla deveria servir aos pregadores na preparação de sermões e aos chefes de família no culto doméstico. A obra principal do período foi, porém, a tradução do Novo Testamento para o alemão.
Ocorre que, em Wittemberg, pessoas ligadas a Lutero estavam fazendo reformas no culto tradicional que ele próprio julgava inconveniente ou precipitadas. Num encontro secreto na cidade, em princípios de dezembro, Filipe Melanchton e outros colegas insistiram em que Lutero traduzisse o Novo Testamento. Era preciso dar ao povo o evangelho, em linguagem acessível, para todos poderem compreender e promover a causa evangélica.
De volta ao castelo, Lutero procurou corresponder ao pedido, apesar das dificuldades. Dispunha de poucos recursos, além dos essenciais: a Vulgata (versão latina de uso corrente), tradução da Vulgata em alemão, edição do texto grego por Erasmo de Roterdã (2ª edição em 1519). Não podia aconselhar-se com os colegas. Pretendia uma tradução que aos alemães falasse mais que a Vulgata aos latinos. Não obstante concluiu a tradução em cerca de onze semanas (meados de dezembro a fins de fevereiro). Depois de retornar a Wittemberg nos primeiros dias de março, Lutero revisou a tradução com o auxílio de Melanchton e outros colegas. À medida que concluía alguma parte, encaminhava o texto aos impressores. A obra foi lançada no mercado por volta de 21 de dezembro de 1520.
A aceitação foi tão grande, que em dezembro foi lançada a segunda edição, revisada. No ducado da Saxônia, na Bavária, Áustria e outros domínios, a obra foi proibida. Críticos da tradução, como Jerônimo Emser e João Dietenberger, valeram-se dela para publicar traduções próprias, aquele do Novo Testamento em 1527, e este da Bíblia em 1534. Outro adversário, João Cochlaeus, criticava que pessoas incultas, de tanto ler a tradução luterana, ousavam discutir com sacerdotes, monges, mestres e doutores. Depois de 1522, o Novo Testamento sofreu várias revisões, uma delas em 1530. A equipe de trabalho liderada por Lutero traduziu, gradualmente, o Antigo Testamento. A Bíblia completa foi lançada em 1534. Ao morrer, em 1546, Lutero estava empenhado numa revisão substancial, que os colegas completaram. Lutero redigiu prefácios ao Novo Testamento e às epístolas para corrigir distorções veiculadas em prefácios correntes e assegurar leitura proveitosa.
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O mais certo e razoável seria que este livro saísse sem qualquer prefácio e nome estranho, e apresentasse apenas seu próprio nome e dizeres. Entrementes, porém, há uma série de interpretações e prefácios a desorientar a mente dos cristãos, de forma a quase não mais se saber o que significa evangelho ou lei, Novo ou Antigo Testamento. Por isso a necessidade exige uma orientação e prefácio, para que a pessoa simples seja conduzida do seu engano anterior para o caminho correto e receba instrução acerca do que ela deve levar em consideração neste livro. Assim não procurará mandamento e lei ao estar procurando evangelho e promessa de Deus.
Por isso se deve saber, em primeiro lugar, que é preciso abandonar a idéia errônea de que haveria quatro evangelhos e apenas quatro evangelistas, e rejeitar por inteiro o que muitos fazem: dividir os livros do Novo Testamento em livros legais, históricos, proféticos e sapienciais, acreditando com isso (não sei como) fazer o Novo Testamento igual ao Antigo; na verdade é preciso observar o seguinte: O Antigo Testamento é um livro em que estão escritos a lei e o mandamento de Deus, ao lado de histórias tanto daqueles que os observaram, como dos que não os observaram. O Novo Testamento [por seu lado] é um livro em que estão escritos o evangelho e a promessa de Deus, bem como ainda a história de ambos: dos que nisto crêem e dos que não crêem. Por conseguinte, não deve haver dúvida de que há apenas um evangelho, assim como há apenas um livro do Novo Testamento e somente uma fé e um único Deus que e faz a promessa.
isso porque evangelho é uma palavra grega que quer dizer boa mensagem”, boa notícia”, boa nova”, bom anúncio”, de que se canta, fala e se alegra. Por exemplo: Quando Davi subjugou o gigante Golias, o povo judeu recebeu a boa notícia e novidade consoladora de que seu inimigo terrível tinha sido morto e eles [agora] estavam salvos, levados à alegria e paz, motivo por que cantaram e dançaram e ficaram alegres. Da mesma forma este evangelho de Deus e este Novo Testamento é boa nova e notícia, que os apóstolos fizeram ressoar em todo o mundo: A boa notícia de um bom Davi, que lutou com o pecado, a morte e o diabo e os subjugou; assim salvou, justificou, vivificou e beatificou, sem que o merecessem, a todos aqueles que estavam presos em pecados, atormentados pela morte, subjugados pelo diabo; dessa forma os levou de volta para casa, para a paz e para Deus, motivo pelo qual eles cantam, dão graças a Deus, louvam e estão alegres eternamente, desde que o creiam firmemente e permaneçam na fé.
Semelhante proclamação e notícia consoladora, ou novidade evangélica e divina, também é chamada de novo testamento”. E isso pela seguinte razão: Um homem que está por morrer estabelece como sua propriedade será distribuída entre os herdeiros por ele designados, após a sua morte. A isso se chama testamento. Assim também Cristo ordenou e estabeleceu que semelhante evangelho fosse proclamado após sua morte em todo o mundo, assim entregando a todos que crêem todo o seu bem, isto é: sua vida, com a qual tragou a morte; sua justiça, com a qual extermina o pecado; sua beatitude, com a qual superou a condenação eterna. A pobre pessoa humana, enredada em pecados, morte e a caminho do inferno, nada pode ouvir de mais consolador que essa preciosa, querida mensagem de Cristo; seu coração tem que rir do mais profundo íntimo e se alegrar, ao crer que isso seja verdade.
Para fortalecer essa fé, Deus prometeu, por diversas vezes, este seu evangelho e testamento no Antigo Testamento através dos profetas, como Paulo o diz em Romanos 1.11s: Fui separado para o evangelho de Deus, o qual foi por Deus outrora prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras, com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi”, etc. E, para mencionarmos várias passagens, ele o prometeu primeiro ao dizer à serpente em Gênesis 3.15: Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” Cristo é a descendência dessa mulher que esmagou a cabeça do diabo, isto é, o pecado, a morte, o inferno e toda a sua força. Porque, sem essa descendência, pessoa alguma pode escapar do pecado, da morte, do inferno.
Da mesma forma ele o prometeu em Gênesis 22.18 a Abraão: Em tua descendência serão benditas todas as nações da terra.” Cristo é a descendência de Abraão, diz Paulo em Gálatas 3.16. Ele abençoou a toda a terra através do evangelho. Pois onde Cristo não está, ali ainda existe a maldição que caiu sobre Adão e seus filhos devido a seu pecado, de forma a serem forçosamente culpados e pertencentes ao pecado, à morte e ao inferno, Opondo-se à maldição, o evangelho agora abençoa todo o mundo através de seu chamado público: Quem crê nessa descendência de Abraão, será abençoado, estará livre de pecado, morte e inferno, e está justificado, vivo e salvo eternamente, como o diz o próprio Cristo em João 11.26: Quem crê em mim, jamais morrerá.”
Da mesma forma ele o prometeu a Davi em 2 Samuel 7.12.ss, ao dizer: Hei de despertar tua descendência após ti, ela me edificará uma casa, e eu firmarei seu reino eternamente Quero ser seu pai, e ele será meu filho” etc. Esse é o reino de Cristo, do qual fala o evangelho: um reino eterno, da vida, da bem-aventurança e justiça, para dentro do qual virão da cadeia do pecado e da morte todos os que crêem. Semelhantes promessas do evangelho ainda há outras, como por exemplo Miquéias 5.2: E ti, Belém, és pequena entre as cidades de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel” , e ainda Oséias 13.14: Eu os resgatarei das mãos da morte, da morte, os salvarei.”
Assim vemos agora que não há mais do que um evangelho, bem como apenas um Cristo, isso porque evangelho” não é nem pode ser outra coisa senão uma pregação de Cristo, filho de Deus e de Davi, verdadeiro Deus e homem, que por nós, com sua morte e ressurreição, superou o pecado, a morte e o inferno de todos os que nele crêem. De sorte que o evangelho pode constar de uma fala curta ou longa, podendo um dizê-lo em palavras breves e outro, de norma longa. Em pormenores o descreve aquele que descreve muitas obras e palavras de Cristo, como o fazem os quatro evangelistas. De forma breve, porém, o descreve aquele que não fala das obras de Cristo, mas indica com poucas como ele, através do morrer e ressurgir superou pecado, morte e inferno para aqueles que nele crêem. Assim o fazem Pedro e Paulo.
Por isso cuide que não faça de Cristo um Moisés, nem do evangelho uma lei ou um livro de doutrina como aconteceu até agora e dão a entender diversos prefácios da versão Vulgata, de São Jerônimo. Pois o evangelho, no fundo, não exige nossa obra, com a qual nos pudéssemos formar retos e salvos. Antes ele condena semelhantes obras e exige apenas fé em Cristo, que venceu para nós o pecado, a morte e o inferno, tornado-nos retos, vivificados e bem-aventurados. E não por nossas obras, mas por suas próprias obras: morte e sofrimento, para que aceitemos sua morte e vitória como se nós mesmos o tivéssemos realizado.
Mas acontece que, no evangelho, Cristo, e além dele Pedro e Paulo fornecem muita lei e doutrina e interpretam a lei. Deve-se ter isso em tão alta conta como todas as outras obras e benefícios de Cristo. Conhecer suas obras e a história de sua vida ainda não significa conhecer o evangelho correto, pois com isso você ainda não sabe que ele superou pecado, morte e diabo. Assim também ainda não significa conhecer o evangelho, se você sabe essa doutrina e mandamento, mas apenas quando vem aquela voz que diz: Cristo é sua propriedade, com vida, obras, morte, ressurreição e tudo que ele é, tem, faz e consegue.
Portanto também enxergamos que ele não fica insistindo, mas convida amavelmente e fala: Bem-aventurados são os pobres” etc. E os apóstolos utilizam a palavra: eu exorto”, eu suplico”, eu peço”. Assim se vê em toda parte que o evangelho não é um livro de leis, e sim apenas uma pregação dos benefícios de Cristo, a nós apresentados e concedidos, assim o cremos. Moisés, porém, em seus livros instiga, insiste, ameaça, bate e castiga cruelmente; porque ele é um escritor e instigador da lei. Daí vem que ao crente não é dada lei alguma, como o diz Paulo em 1 Timóteo 1.9; isso porque ele é justo, vivificado e salvo através da fé. E ele não tem mais necessidade de comprovar semelhante fé.
Sim, onde estiver a fé, ela não consegue se refrear, ela se comprova, irrompe e confessa e ensina esse evangelho diante das pessoas e por ele arrisca sua vida. E tudo que ela vive e faz, destina-o ao proveito do próximo, para lhe ajudar, não só que ele alcance semelhante graça, mas também no que tange o corpo, propriedade e honra, [da mesma forma] como ela vê que Cristo lhe fez, seguindo, portanto, ao exemplo de Cristo. Isso também é o que Cristo quer dizer, uma vez que em última ma análise ele não deu nenhum outro mandamento senão o amor. Nele se deveria reconhecer quem seriam seus discípulos e crentes verdadeiros; pois onde não irrompem as obras e o amor, a fé não está bem, o evangelho ainda não pegou, e Cristo ainda não foi bem reconhecido. Volte-se, portanto, para os livros do Novo Testamento e veja que os consiga ler dessa maneira.
Quais os bons e mais nobres livros do Novo Testamento
Partindo de tudo isso, você pode agora julgar e distinguir bem quais os melhores dentre todos os livros. Pois o evangelho segundo João e as epístolas de Paulo, particularmente aquela aos Romanos, e a primeira epístola de Pedro são o bom cerne e a medula dentre todos os livros. Esses deveriam perfeitamente ser os primeiros. E a cada cristão se deveria recomendar que os lesse por primeiro e com maior freqüência, familiarizando-se com eles pela leitura diária como se tosse o pão de cada dia. Pois nestes não encontrará muitas obras e feitos milagrosos de Cristo. Achará, porém, magistralmente enfatizado como a fé em Cristo supera pecado, morte e inferno e concede a vida, justiça e salvação, o que afinal representa o feitio propriamente dito do evangelho, como você ouviu acima.
Pois se jamais eu precisasse renunciar a um dos dois, às obras ou às pregações de Cristo, eu renunciaria antes às obras que às pregações. Pois as obras de nada me adiantariam. Suas palavras, porém, estas dão a vida, como ele mesmo o diz. João descreve poucas obras de Cristo, mas muitas de suas pregações, ao passo que os outros três evangelistas, inversamente, descrevem muitas de suas obras e poucas palavras suas. Por isso o Evangelho segundo João é o único evangelho bonito e certo, o principal, sendo que se lhe deve dar considerável preferência e consideração. Também as epístolas de Paulo e Pedro superam em muito os três evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas.
Em suma: o evangelho segundo João e sua primeira epístola, as epístolas de Paulo, particularmente as dirigidas aos romanos, gálatas, efésios, e a primeira epístola de Pedro, estes são os livros que lhe apresentam Cristo e lhe ensinam tudo que é necessário e bom saber, ainda que jamais visse ou ouvisse qualquer outro livro ou doutrina. Por isso a epístola de Tiago é uma epístola bem insossa, em comparação, pois ela, de qualquer forma, não tem natureza evangélica. Mas disso ainda falaremos em outros prefácios.
Fonte: Martinho Lutero. Pelo Evangelho de Cristo: Obras selecionadas de momentos decisivos da Reforma.
Trad. Walter O. Schlupp. Porto Alegre: Concórdia & São Leopoldo: Sinodal, 1984. pp. 171-177.