Amizade no Sentido Bíblico

Jesus andava no meio de multidões e ministrava às suas necessidades. No entanto, tinha poucos amigos no seu círculo íntimo. Como alguém se tornava parte desse círculo e o que significava para Jesus ter um relacionamento como esse?

Confiança versus Amor

Mas o próprio Jesus não se confiava a eles, porque os conhecia a todos. E não precisava de que alguém lhe desse testemunho a respeito do homem, porque ele mesmo sabia o que era a natureza humana. (Jo 2.24,25).

Jesus não se confiava a todas as pessoas. Sua confiança não era depositada em qualquer um. A razão para isso é que as pessoas em geral não são dignas de confiança. Não era por uma questão de auto-suficiência ou falta de necessidade, mas por não encontrar inicialmente alguém em quem pudesse confiar.

Foi por isso que escolheu um pequeno grupo para estar mais próximo. Não que essas pessoas já fossem seus amigos, mas tinham o potencial de se tornarem dignas de confiança. Jesus passou tempo treinando-as para esse fim, não através de aulas teóricas, mas por meio da convivência, andando, servindo e conversando juntos.

Durante muito tempo, ele não conseguiu ir muito longe nas conversas. Começava a explicar-lhes as parábolas, dizendo que a eles era dado conhecer os mistérios do Reino. Tentava mostrar a natureza do Reino e a necessidade de dar a própria vida para que o Reino viesse. Contudo, quando ressurgia o assunto, notava-se que ainda muito pouco havia penetrado em seus corações.

No entanto, ele não desistiu. João registra no seu evangelho que Jesus amou seus discípulos, e que os amou com um amor persistente e fiel até o fim, a despeito de suas limitações, gafes, inconsistências e falhas. Mesmo sabendo que um seria traidor, outro o negaria e ninguém o acompanharia na sua hora mais escura, ele confessou mais de uma vez a importância de estar junto daqueles que haviam deixado tudo para segui-lo (Lc 22.15,28; 18.31; Mt 19.27-30; 26.38-40; Jo 17.6-8,14,24).

Existe uma grande diferença entre amar e confiar. Deus ama a todas as pessoas do mundo (Jo 3.16). A essência do amor é dar. Eu posso dar algo para alguém e mesmo doar-lhe de mim mesmo, até um certo ponto, ajudando e ministrando às suas necessidades, sem, contudo, confiar nele ou tornar-me vulnerável por lhe abrir coisas íntimas ou pessoais. Se eu fizer isso, revelando-me a pessoas que não são confiáveis, posso destruir o potencial de continuar amando os outros, pois pode resultar em feridas e profundos efeitos negativos.

Existe uma ligação muito grande entre as palavras fé e confiança. Deus ama a todos, mas nem todos correspondem a ele em fé e confiança. De acordo com Hebreus 11.6, a fé que agrada a Deus é a certeza de que ele existe e que responde àqueles que o buscam. Confiança é a base de qualquer relacionamento e foi por isso que a serpente começou seu ataque no jardim minando exatamente a confiança do homem em Deus (Gn 3.1-5).

Objetivo do Discipulado

No final do ministério de Jesus, ele deu este testemunho a respeito dos seus discípulos:

Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor: mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer. (Jo 15.15).

Pessoas que no princípio não eram dignas de confiança se tornaram amigas de Jesus. A palavra amigo já perdeu grande parte do seu conteúdo na nossa compreensão moderna. Precisaríamos acrescentar os significados de aliança, fidelidade e confiança ao nosso conceito para nos aproximarmos do sentido bíblico. Para os discípulos serem chamados de amigos, tiveram de passar por um processo. Abraão foi chamado três vezes nas Escrituras de amigo de Deus (2 Cr 20.7; Is 41.8; Tg 2.23), mas também houve uma longa caminhada para chegar a esse ponto. Foi por isso que Deus compartilhou com ele seus planos sobre Sodoma (Gn 18).

Já ouvimos muito nos últimos anos sobre discipulado na igreja. O tema tem gerado controvérsia e discussão. Mas o ponto central é que o discipulado como treinamento dos seguidores de Jesus não visa formar um exército de cristãos obedientes e cooperadores, como se fossem meros robôs para servirem ao discipulador na ampliação de sua obra. Nosso alvo deve ser a formação de amigos, companheiros para o futuro. Esse deve ser o objetivo tanto de pais naturais como espirituais. Pode ser que não se tornem especificamente nossos companheiros, mas estarão aptos, dignos de confiança, preparados para formarem vínculos fortes e estáveis em qualquer lugar em que Deus os plantar. Nada de permanente ou de real valor se faz no Reino de Deus fora do contexto de relacionamentos e vínculos autênticos, uns com os outros. Do contrário, podemos fazer muitas obras, mas não será o Reino.

Nesse contexto, a correção e a disciplina também adquirem outro significado. Não devemos trabalhar para produzir uma organização eficiente e disciplinada; estamos lidando com indivíduos num organismo vivo e ajudando a remover hábitos ou áreas de fraqueza que possam ser tropeços e empecilhos à nossa crescente amizade no Senhor.

É isso que significa falar a “verdade em amor” (Ef 4.15). Queremos desenvolver fidelidade e idoneidade nas pessoas ao nosso redor, a fim de podermos falar com elas dos mistérios e segredos de Deus (2 Tm 2.2; Mt 13.10,11). Somos mordomos ou despenseiros dos mistérios de Deus e precisamos discernir em quem podemos confiar a fim de transmitir esses tesouros (veja 1 Co 4.1,2). Como Jesus, podemos não encontrar pessoas já prontas para isso, mas devemos começar a nos relacionar com elas de tal forma que sejam treinadas e que, aos poucos, sejam capazes de receber nossa confiança de amizade. Pois é somente dessa forma que algo genuíno e verdadeiro será edificado no Reino de Deus através de nós.

Fonte: Este artigo foi extraído e adaptado de um livro de Asher Intrater intitulado: “Covenant Relationships” (Relacionamentos de Aliança).

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