Egoísmo não é religião verdadeira

“Não busca seu próprio interesse” – 2º Coríntios 13:5.

Isto é, a caridade, o amor cristão, não busca seu próprio interesse.

O tema que penso desenvolver esta noite é o seguinte:

Que o dar consideração suprema a nossa própria felicidade não é compatível com a verdadeira religião.

Esta proposição é naturalmente a primeira na série sobre as quais tenho trabalhado para ilustrar as presentes mensagens, e teria sido a primeira a discutir se tivesse visto que a colocavam em dúvida algum número considerável de cristãos declarados. Porém, posso dizer sinceramente que quando comecei estas conferências não esperava ter nenhuma dificuldade aqui, portanto, estabeleci que o egoísmo não é religião. E portanto tenho passado por cima deste ponto apenas com uma leve tentativa de demonstrá-lo. Porém, tenho visto que há muito cristãos professos que defendem que a religião verdadeira tem como um de seus objetivos supremos a própria felicidade. E penso que é necessário examinar o tema com mais cuidado, e argumentar a favor do que creio que é a verdade. Ao estabelecer minha posição, desejo distinguir entre coisas que são diferentes; portanto, penso:

I. Mostrar o que não se intenciona com a proposição anterior, que diz que dar consideração suprema a nossa própria felicidade não é religião.

II. Mostrar o que isto significa.

III. Tentar demonstrá-lo.

I. Vou explicar o que não se intenciona com a proposição anterior.

1. O ponto em disputa não é se é legítimo ter em consideração a própria felicidade. Ao contrário, se dá por admitido e mantido que uma parte de nosso dever é ter em consideração nossa felicidade, segundo seu valor real, na escala apropriada com outros interesses. Deus nos ordena que amemos ao próximo como a nós mesmos. Isto indica claramente nosso dever de amar a nós mesmos com respeito a nossa felicidade, com a mesma regra que consideramos aos outros.

2. A proposição não é que não devemos considerar as promessas e ameaças de Deus como se não afetassem a nós. É evidentemente correto considerar as promessas de Deus e as ameaças do mal e como nos afetam, segundo o relativo valor de nossos próprios interesses. Porém, quem não vê que uma ameaça contra nós não é tão importante como uma ameaça contra um grande número de indivíduos? Suponhamos uma ameaça contra você como indivíduo. É evidente que isto não é tão sério como se incluísse também a sua família. Então, suponhamos que se estenda a toda a congregação, ao estado, à nação e ao mundo. Aqui é fácil de ver que a felicidade de um indivíduo, ainda que é grande, não se deve considerar como suprema.

Eu sou um ministro. Suponhamos que Deus me diz: “Se não fazes teu dever, te enviarei ao inferno.” Isto é um grande mal e tenho que evitá-lo. Porém suponhamos que me diz: “Se tua gente não faz seu dever, todos irão ao inferno; porém se você faz seu dever fielmente, provavelmente o resultado será que toda a congregação se salve.” É reto que eu me sinta tão influenciado pelo temor do mal a mim mesmo, como pelo medo de ter como resultado que toda a congregação vá ao inferno? É evidente que não.

3. O ponto não é se nossos interesses eternos próprios devam ser atendidos com preferência a nossos interesses temporais. Mantenho de modo expresso e o faço por meio da Bíblia, que estamos obrigados a considerar nossos interesses eternos como de maior conseqüência que nossos interesses temporais.

Por ele a Bíblia nos diz: “Trabalhai não pela comida que perece, senão para o que perdura para a vida eterna.” Isto nos ensina que temos que considerar o valor de nossos interesses temporais como insignificantes em comparação com a vida eterna.

De modo que quando nosso Salvador diz: “Não façais tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões minam e roubam”; nos ordenando o mesmo dever, o de preferir o eterno ao temporal.

Todavia outro exemplo. Quando Cristo enviou os seus discípulos de dois a dois, a predicar e fazer milagres, regressaram felizes e entusiasmados porque inclusive os demônios os sujeitaram. ” Jesus lhes disse: Não vos alegreis porque os espíritos se vos submetem, alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus.” Aqui nos ensina que é um bem maior ter nossos nomes escritos no céus que gozar do maior poder temporal ou autoridade, inclusive sobre os mesmos demônios.

A Bíblia ensina por todas as partes que o bem eterno deve ser preferido em nossa conduta aos bens temporais. Porém, isto é muito diferente de defender que nossos interesses próprios individuais eternos é o objetivo supremo que temos que ter em consideração.

4. A proposição não é que a esperança e o temor não devam influenciar em nossa conduta. Tudo o que se implica é que, quando estamos influenciados pela esperança e temor, as coisas que esperamos e tememos deverão ser postas em escala segundo seu valor real, em comparação com os outros interesses.

5. O ponto é se as pessoas de quem nos fala a bíblia fizeram bem ao estar influenciadas em algum grau de esperança e temor ou pela recompensa ou o gozo que tinham proposto adiante. Isto já fica admitido. Noé foi movido pelo temor e construiu a arca. Porém, foi o temor de perecer afogado ele mesmo, ou seja, o temor de sua própria segurança pessoal que o moveu de modo principal? A bíblia não nos diz. Ele temeu pela segurança de sua família, e mais, temeu a destruição de toda a raça humana, com os interesses que dependiam dele.

Sempre que se diz que um bom homem foi influenciado pelo temor ou pela esperança isto fica admitido. Porém, para que este se ache em relação com nosso tema, tem que mostrar que esta esperança ou temor com respeito a seus interesses pessoais era o motivo que o controlava. Agora, isto não se afirma nas promessas e nas ameaças. Além do mais, como haveriam obedecido, de outro modo, a segunda parte da lei: “Amarás a teu próximo como a ti mesmo”?

II. Vou mostrar o que quer dizer a proposição, que a suprema consideração de nossos próprios interesses não é conseqüente da verdadeira religião.

O ponto é se o considerar nossa felicidade como objetivo supremo é religião. E, se deveremos ter nossa própria condenação mais que a condenação dos demais, e a desonra de Deus com ele. E se temos que procurar nossa própria felicidade mais que felicidade de todos os demais e a glória de Deus. E se fazemos isto, se estamos de acordo com os requerimentos da verdadeira religião ou se isto não é compatível com a verdadeira religião. Este é o ponto exato da investigação e desejo que o tenhamos presente de modo constante, e que não o confundamos com o outro a que já me referi.

III. Prova da proposição.

Antes de proceder à prova da proposição, o fazer de nossa própria felicidade a consideração suprema, não é compatível com a verdadeira religião, vou observar que toda verdadeira religião consiste em ser no possível como Deus; em atuar nos mesmos princípios e bases, e ter os mesmos sentimentos aos diferentes objetos. Suponho que isto não vá ser negado. Em realidade não pode ser se temos a mente em bom estado. E logo observo como prova da proposição:

1. Que uma consideração como objetivo de nossa felicidade não está de acordo com o exemplo de Deus; senão que difere totalmente dele.

A bíblia nos diz que Deus é amor. Isto é, a benevolência é a suma total de seu caráter. Todos os outros atributos morais, como a justiça, a misericórdia e outros, não são senão modificações da benevolência. Seu amor se manifesta em duas formas. Uma que é a de benevolência, o querer bem, o desejar a felicidade de outros. O outro é a complacência, o aprovar o caráter dos outros que são santos. A benevolência de Deus afeta a todos os seres capazes de serem felizes. É universal. À todos os seres Ele exerce o amor de benevolência. Em outras palavras, Deus ama a seu “próximo” (ou seja, suas criaturas) como a si mesmo. Considera os interesses de todos os seres, de um modo relativo a seu valor, como considera os próprios. Busca sua própria felicidade, ou glória, como o bem supremo. Porém não porque é sua própria, senão porque é o bem supremo ou sumo bem possível. A suma total de sua felicidade, como um ser infinito, é maior que a suma total da felicidade dos outros seres, ou de todo possível número de criaturas finitas.

Vamos dar uma ilustração. Temos aqui um homem que é bondoso com os animais. Este homem tem um cavalo que cai no rio. Requer a verdadeira benevolência que este homem se afogue para tirar seu cavalo? Não! Seria uma benevolência desinteressada verdadeiramente nele, o que se salvara ele, ainda que deixasse o cavalo que pereceria; porque sua felicidade é de muito maior valor que a do cavalo. Isto se vê no instante. Porém, a diferença entre Deus e as criaturas é infinitamente maior que entre o homem e o cavalo ou entre o anjo mais elevado e o inseto mais insignificante.

Deus, portanto, considera a felicidade de todas as criaturas segundo seu valor real. A menos que façamos o mesmo não somos como Deus. Se somos como Deus temos que considerar a felicidade e glória de Deus baixo a mesma luz, isto é, como o bem supremo, além de tudo o que existe no universo. E se desejamos nossa própria felicidade mais que a felicidade de Deus somos total e infinitamente diferentes de Deus.

2. O ter a própria felicidade como o objetivo supremo não é compatível com a verdadeira religião, porque é contrário ao espírito de Cristo.

Se nos diz: “Se alguém não tem o espírito de Cristo o tal não é dele.” E isto se diz de modo repetido dele, como homem, que não buscou seu próprio, que não buscou sua glória e outras coisas assim. O que buscava? Era sua própria salvação pessoal? Não. Era sua própria felicidade pessoal? Não. Era a glória do Pai e o bem do universo, por meio da salvação do homem. Veio com uma mensagem de pura benevolência, para beneficiar ao reino de Deus, não para beneficiar a si mesmo. Este era “o gozo que lhe estava proposto” pelo qual “sofreu a cruz, menosprezando a vergonha”. Era este grande bem o que podia fazer que se lançasse a um grande sofrimento e trabalho para a salvação do homem.

3. Considerar a própria felicidade como o objetivo supremo a perseguir é contrário à lei de Deus.

Já mencionei isto antes, mas aparece outra vez para redondear a presente demonstração. A suma total da lei é: “Amarás ao Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma, e de toda tua mente, e de toda sua força; E amarás a teu próximo como a ti mesmo.” Isto é o que nos requer: benevolência a Deus e aos homens. O primeiro é realmente o amar a felicidade e glória de Deus, diante de todas as coisas, porque é infinitamente digno de amor, desejável e é propriamente o sumo bem. Alguns tem dito que não é nosso dever procurar a felicidade de Deus, porque esta felicidade já é segura. Suponhamos agora que o rei da Inglaterra é perfeitamente independente de mim, e tem sua felicidade segura sem contar comigo; me tira isto o meu dever de desejar esta felicidade e regozijar-me nela? Que Deus seja feliz, independente de suas criaturas, é esta uma razão pela qual não deveríamos amar sua felicidade e regozijarmos nela? Isto me parece estranho.

De novo: Estamos obrigados pelos termos da lei de Deus a sentir complacência a Deus, porque ele é santo, infinitamente santo.

E mais: Esta lei nos obriga a exercitar o mesmo desejo de bem ou benevolência aos outros que exercitamos a nós mesmos; isto é, temos que buscar seus interesses e os nossos, segundo o valor relativo dos mesmos. Quem de nós faz isto? E estamos obrigados a exercer o amor de complacência aos que são bons e santos.

Assim que temos visto que a suma da lei de Deus é exercer benevolência a Deus e a todos os seres, segundo seu valor relativo e complacência a tudo que é santo. Agora, digo que o considerar nossa própria felicidade de modo supremo, ou o buscá-la como um fim supremo, é contrário a esta lei, à letra e ao espírito. E:

4. É contrário ao evangelho como é contrário à lei.

Do capítulo em que tirei o texto lemos: “Ainda que eu fale as língua dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine. Ainda que eu tenha o Dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá.”

Notemos bem em que forte linguagem com que se expressa a idéia de que o amor, ou seja , a benevolência, é essencial para a verdadeira religião. Vemos que desfaz toda classe de precaução para assegurar-se de que não nos confundamos com respeito ao que quer dizer. Se uma pessoa não tem amor verdadeiro, não é nada. E logo segue mostrando quais são as verdadeiras características desse amor.. “O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” Aqui se vê uma das peculiaridades principais deste amor e é que “não busca seu próprio interesse”. Notemos bem. Se é religião verdadeira, e se não é assim não é religião, uma característica essencial é que “não busca o seu”.

Podemos achar muitas passagens na bíblia que ensinam o mesmo. Lembremos: “O que queira salvar sua vida, perdê-la-á.” Aqui tem estabelecido o princípio do governo de Deus, que se uma pessoa busca de modo supremo seu próprio interesse, vai perdê-lo.

O mesmo nos ensina o capítulo dez da mesma epístola, versículo 24: “Ninguém busque seu próprio interesse, senão o do outro.” E em vez de interesse podemos, da mesma forma, por felicidade ou riqueza. De modo similar, no versículo 33 diz: “Também eu procuro agradar a todos, de todas as formas. Porque não estou procurando o meu próprio bem, mas o bem de outros, para que sejam salvos.”

Portanto, eu digo que o fazer de nosso próprio interesse o objetivo supremo é contrário à lei e também ao evangelho.

5. Também é contrário à consciência.

A consciência universal da humanidade tem decidido que o considerar a própria felicidade como objetivo supremo não é virtude. Os homens sempre souberam que servir a Deus e beneficiar a humanidade é reto, e que buscar de modo supremo o próprio interesse não é. Sempre consideram que é mesquinho e depreciável que o indivíduo busque sua própria felicidade como objetivo supremo e em conseqüência, tratamos com muito esforço para dissimular nosso egoísmo e parecer benevolentes. É impossível que nenhum homem, a menos que sua consciência esteja cauterizada pelo pecado ou pervertida por um falso ensinamento, não veja que é pecaminoso considerar sua própria felicidade diante dos interesses que sejam de maior importância dos outros.

6. É contrário à reta razão.

A reta razão ensina que consideremos todas as coisas segundo seu valor real. Deus faz isto e nós temos que fazer o mesmo. Deus nos dá a razão para este mesmo propósito. Que ponderemos e comparemos o valor relativo das coisas. É um engano à razão negar que nos ensina a considerar as coisas segundo seu valor real. E se é assim, preferir nosso próprio interesse como objetivo supremo é contrário à razão.

7. É contrário ao sentido comum.

O que tem decidido o sentido comum da humanidade a respeito disso? Considere o sentido comum da humanidade com respeito ao que se chama patriotismo. Nenhum homem tem sido considerado como verdadeiro patriota, ao lutar por seu país, se seu objetivo tem sido secundário a seus próprios interesses. Suponhamos que o objetivo de sua luta fosse que o coroassem rei; daria alguém crédito a seu patriotismo? Não. Todos os homens estão de acordo que o patriotismo se vê quando o homem é desinteressado, como por exemplo Washington, que luta por seu país por amor. O sentido comum da humanidade tem mostrado a sua reprovação do espírito que busca seu próprio interesse sem considerar os interesses dos outros. É evidente que todos os homens pensam isto. De outro modo, por que nos mostramos tão ansiosos de parecer desinteressados?

8. É contrário à constituição da mente.

Eu não digo que seja impossível por nossa constituição buscar nosso próprio interesse como objetivo supremo. Senão que estamos constituídos de modo que se o fazemos, nunca o conseguimos. Como já disse antes, a felicidade é a satisfação do desejo. Temos que desejar algo e obter o objeto de nosso desejo. Agora, suponhamos que um homem deseja sua própria felicidade, o objeto desse desejo tem que estar sempre diante dele, como sua sombra, e quanto mais ansiosamente o persegue mais rapidamente foge. A felicidade está inseparavelmente unida à conseqüência do objeto desejado. Suponhamos que desejo mil dólares. Isto é algo em que se aplica o meu desejo, e quando o consigo estou satisfeito até que consigo estas coisas. Mas suponho que o desejo é minha própria felicidade. O obter os mil dólares não vai fazer-me feliz, porque este não é o ponto em que se aplica o meu desejo. E o mesmo é obter o relógio, ou o vestido, não vai fazer-me feliz, porque não satisfaz meu desejo. Deus constituiu as coisas, deu tais leis a nossa mente, que nunca podemos obter felicidade perseguindo-a. Esta mesma constituição claramente indica o dever da benevolência desinteressada. Na realidade Deus fez impossível que o homem seja feliz exceto na proporção em que é desinteressado.

Aqui temos a dois homens andando por uma rua juntos. Chegam a um homem que foi atropelado por um carro e jaz ferido. O levam ao médico. É evidente que a satisfação dos dois estará em proporção a intensidade de seu desejo de aliviar-lhe. Se um deles sentia pouco interesse e se preocupava pouco pelos sofrimentos do atropelado sua satisfação seria pequena. Mas se o desejo do outro de ajudá-lo chegava à agonia, a satisfação deste será na mesma proporção. Suponhamos agora a um terceiro que não tem desejo de aliviar ao desgraçado; o ajudar, para este, não será causa alguma de satisfação. Passará de lado e o deixará morrer. Portanto, vemos que a felicidade está em proporção ao desejo e a satisfação do mesmo.

Aqui observamos que para fazer a felicidade do desejo satisfeito completo, o desejo em si deve ser virtuoso. De outro modo, se o desejo é egoísta, a satisfação será misturada com dor pelo conflito mental.

Que tudo isto é verdade, é algo que podemos observar em nós mesmos, e podemos ter dele um testemunho pessoal. E o negá-lo é o mesmo que acusar a Deus de ter nos dado uma constituição que não nos permite ser felizes ao obedecer-Lhe.

9. Não é compatível tampouco com nossa própria felicidade, o fazer de nosso interesse o objetivo supremo. Isto se segue do que já dissemos. Os homens desfrutam de um certo grau de prazer, mas não de verdadeira felicidade. O prazer que não procede da satisfação de um desejo virtuoso é uma ilusão enganosa. A razão pela qual a humanidade não acha a felicidade é que se afobam por ela, a buscam. Se buscassem a glória de Deus e o bem do universo como fim supremo, a felicidade os perseguiria.

10. Não é compatível com a felicidade pública. Se cada indivíduo procurasse como objetivo supremo sua própria felicidade, estes interesses acabariam em conflito, chocariam, se seguiria uma confusão e guerra universal como conseqüência do egoísmo universal.

11. Manter que o objetivo supremo de nosso interesse é religião verdadeira é contradizer a experiência de todos os verdadeiros santos. Confesso que todo verdadeiro santo que conheço se esforça para sair de si mesmo e considerar a glória de Deus e o bem dos outros como seu objetivo supremo. Se não sabe isto, é porque não é santo.

12. Não é compatível tampouco com a experiência de todos os que tiveram uma religião egoísta, e que ao encontrarem sua equivocação, procuraram religião verdadeira. Isto é uma ocorrência comum. Eu conheci centenas de casos. Alguns membros desta igreja fizeram recentemente esta mesma descoberta; e podem testificar por sua própria experiência, que a benevolência é a verdadeira religião.

13. É contrário à experiência de todos os impenitentes. Todo pecador impenitente sabe que seu objetivo supremo é o fomento de seus próprios interesses e sabe que isto não é verdadeira religião. Aquilo pelo que sua consciência o condena é isto: que considera seu próprio interesse em vez da glória de Deus.

Agora, por um momento, demos volta à folha e admitamos que o supremo interesse por nossa própria felicidade é a verdadeira religião; o que se segue disto.

1. Se é assim, Deus não é santo. Isto é, se o supremo interesse próprio é a nossa verdadeira religião, segue que Deus não é santo. Deus considera sua própria felicidade, mas porque é o maior bem, o sumo bem, não porque é sua. Mas Ele é amor ou benevolência; e se a benevolência deixou de ser a verdadeira religião, então a natureza de Deus mudou.

2. A lei de Deus deve ser alterada. Se uma consideração suprema a nossa própria felicidade é religião, então a lei deveria dizer: “Amarás a ti mesmo de todo coração e de toda tua alma, e de toda tua mente, e com toda tua força, e a Deus e a teu vizinho infinitamente menos que a ti mesmo”.

3. O evangelho deve ser posto ao revés. Em vez de dizer: “Quer comais quer bebais, ou qualquer outra coisa que fazeis, faça-o para a glória de Deus”, deveria dizer: “Tudo o que façais faça-o para vossa própria felicidade.” E em vez de “O que queria salvar sua vida perdê-la-á”, deveria dizer: “O que está ansioso de modo supremo por salvar sua vida, a salvará; mas o que é benevolente, e disposto a perder sua vida pelos outros, a perderá”.

4. As consciências dos homens deveriam ser mudadas de modo que testificarão a favor do egoísmo e condenarão e reprovarão aquilo que soar como benevolência desinteressada.

5. A reta razão deve ser mudada para que não pese as coisas segundo seu valor relativo, senão que decida a favor de nossos pequenos interesses como mais importantes que os de Deus e do universo.

6. O sentido comum terá que decidir que o verdadeiro patriotismo consiste em que cada um busque seu próprio interesse em vez do bem público e que cada um se favoreça tanto como possa.

7. Tem que mudar a constituição humana. Se o supremo egoísmo é uma virtude, a constituição humana está equivocada. Está feita de modo que possa ser feliz só sendo benevolente. Se esta doutrina é verdadeira e a religião consiste em buscar cada um sua própria felicidade como um bem supremo, então quanto mais religião tem um homem mais desgraçado é.

8. E terá que mudar todo o marco da sociedade. Agora, o bem da comunidade depende da extensão em que cada um considera o interesse público. E se esta doutrina é válida, tem que mudá-la de modo que o bem público seja favorecido quando cada um considere como principal seu próprio interesse sem consideração ao dos outros.

9. A experiência dos santos terá que ser invertida. Em vez de achar que quanto mais benevolentes são mais religião têm e mais felicidade, tal como é agora, terão que testificar que quanto mais procuram seu próprio bem, mais gozam da religião e do favor de Deus.

10. O pecador impenitente deverá testificar que é supremamente feliz com o máximo egoísmo, e que encontrou a verdadeira felicidade nele.

Não temos que prosseguir provando mais, seria trivial. Com estas provas já basta, para chegarmos à conclusão que nossa felicidade perseguida como objetivo supremo é algo incompatível com a verdadeira religião.

Conclusão

1. Vemos porque, ainda que todos persigam sua própria felicidade, poucos a encontram.

O fato é claro. A razão é esta: a maior parte da humanidade não sabe em que consiste a verdadeira felicidade, e a buscam onde não podem achá-la nunca. Não a encontram porque a perseguem. Se volvessem e perseguissem a santidade, a felicidade perseguiria a eles. Se escolhem a felicidade como objetivo, esta se escapa diante deles. A verdadeira felicidade consiste na satisfação dos desejos virtuosos; e se eles procurassem glorificar a Deus e fazer o bem, a encontrariam. A única classe de pessoas que nunca acham, neste mundo ou no vindouro, são os que a buscam como objetivo.

2. A constituição da mente humana e do universo nos proporciona uma formosa ilustração da economia de Deus.

Suponhamos que o homem pudesse achar a felicidade só perseguindo sua felicidade própria. Então cada indivíduo teria só a felicidade que ganhasse, e toda a felicidade no universo seria só a suma total do que os indivíduos tivessem conseguido, contrastada com a dor e miséria causadas pelos interesses conflitantes. Agora, Deus constituiu as coisas de tal forma que, enquanto cada um está procurando a felicidade dos outros, a sua própria fica assegurada e é completa. Quanto mais vasta e grande é a quantidade no universo, do que seria se o egoísmo houvesse sido a lei no reino! Porque cada um que obedece a lei de Deus assegura a sua própria felicidade por sua benevolência e a felicidade do conjunto é incrementada pela quantidade que recebeu de cada um dos demais.

Muitos dizem: Quem procurará minha felicidade se não a faço eu? Se eu cuido só dos interesses do próximo e descuido dos próprios, ninguém será feliz.” Isto seria verdadeiro se o cuidar da felicidade do próximo fosse em deterioração da própria. Mas se nossa felicidade consiste em fazer bem e promover a felicidade dos outros, quanto mais conseguirmos para os outros, mais fomentaremos a própria.

3. A consideração de nosso próprios interesses como objetivo supremo é egoísmo e nada mais. Seria egoísmo em Deus se considerasse seu interesse de modo supremo por ser seu. E é egoísmo no homem. Manter que uma consideração suprema a nossos interesses é verdadeira religião sustém que o egoísmo é a religião verdadeira.

4. A consideração de nossos próprios interesses como objetivo supremo é egoísmo e nada mais. Seria egoísmo em Deus se considerasse seu interesse de modo supremo por ser seu. E é egoísmo no homem. Os que mantém que uma consideração suprema a nossos interesses por cima dos interesses de Deus, dando preferência e colocando-os em oposição aos interesses de Deus é egoísmo. E se isto é virtude, então Jesus Cristo, ao buscar o bem da humanidade, como fez, se apartou dos princípios da virtude. Quem vai defender isto?

5. Os que consideram seus próprios interesses como supremo objetivo e pensam que têm verdadeira religião se enganam. Digo isto solenemente, porque creio que é verdade, e o diria ainda que esta fosse a última palavra que pudesse dizer antes do juízo. Ouvinte, qualquer que seja, se está fazendo isto, não é cristão. Não diga que eu critico. O que faço é denunciar. Mas se Deus é verdadeiro, e com a mesma segurança que tua alma irá ao juízo, te digo que não tem a religião da Bíblia.

6. Alguns perguntarão: O que? Não temos que ter em consideração nossa própria felicidade?, e se é assim, como temos que decidir se é suprema ou não? ” Eu não digo isto. Digo que você pode considerá-la segundo seu valor relativo. E agora, pergunto: Tem alguma dificuldade prática aqui? Apelo às consciências. Você sabe bem, se é sincero, que é o que valoriza mais. Estão esses interesses, teus próprios interesses por um lado e a glória de Deus e o bem do universo por outro, tão equilibrados na tua mente que não sabes qual preferir? É impossível! Se você não é consciente de que prefere a glória de Deus a teus próprios interesses, como esta seguro de que você existe, pode dar por garantido que você está equivocado.

7. É porque o gozo de muitos que professam religião depende de suas evidências. Estas pessoas estão constantemente buscando segundo a evidência; e em proporção a sua variação, seu gozo aumenta e diminui. Agora, se verdadeiramente consideram a glória de Deus e o bem da humanidade, seu gozo não dependeria de suas evidências. Os que são puramente egoístas, podem gozar muito na religião, mas é por antecipação. A idéia de ir ao céu é agradável para eles, mas os que saem de si mesmos e são puramente benevolentes, têm um céu dentro de seu peito.

8. Como você vê aqui, todos os que não têm paz e gozo na religião antes de terem esperança estão enganados. Talvez posso dar uma idéia da vossa experiência. Você foi despertado, e afligido, como é natural que fosse, pelo temor de ir ao inferno. Pouco a pouco, talvez enquanto você estava ocupado em oração, ou quando alguém conversou com você, a angústia desapareceu de você. Você pensou que seus pecados foram perdoados. Um raio de esperança entrou na sua mente, e você sentiu arder o coração; isto você tomou por evidência, e aumentou ainda mais o gozo. Quão diferente é a experiência do verdadeiro cristão! Sua paz não depende de sua esperança, senão que a verdadeira submissão e a benevolência produzem gozo e paz, independentemente da esperança.

Suponhamos o caso de um homem na cadeia, condenado a ser enforcado no dia seguinte. Está angustiado, andando em sua cela, esperando o dia. Mas chega um mensageiro com um perdão. O preso toma o papel, o aproxima da luz da grade, lê a palavra “perdão” e quase desmaia de emoção e salta de alegria. Ele assume que o papel é autêntico. Agora suponhamos que se trata de uma falsificação. De repente todo o seu gozo desaparece. O mesmo caso é o da pessoa enganada. Estava temendo ir ao inferno e naturalmente se regozija ao saber que foi perdoado. Suponhamos que o diabo lhe diz, e ele crê, o gozo seria igualmente grande, contanto que creia como uma realidade. O gozo do verdadeiro crente não depende da evidência. Se submete a mão de Deus com tal confiança que este mesmo ato o dá paz. Teve um terrível conflito com Deus, mas cedeu na controvérsia e de repente diz: Deus fará o que deve fazer, que Deus faça o que quiser.” Então começa a orar, está acalmado e em paz diante de Deus, e este mesmo ato lhe dá uma calma e um gozo celestial. Talvez não tenha pensado na esperança. Talvez pode seguir durante horas, um dia ou dois, cheio do gozo de Deus, sem pensar em sua própria salvação. Se lhe pergunta se tem esperança nunca pensaram nisso. Seu gozo não depende de crer que foram perdoados, senão que é um estado mental, um estar conforme com o governo de Deus. Neste estado mental é impossível que não seja feliz.

Deixe-me perguntar outra vez: Que religião você tem? Se você exercita a verdadeira religião, suponhamos que Deus te pusesse no inferno e te deixasse exercer ali teu supremo amor a Deus e o mesmo amor a teu próximo como a ti mesmo; pois bem, isto em si mesmo seria um estado mental incompatível com o sentir-se desgraçado.

Quero que me entenda bem. Os que buscam a esperança sempre ficarão decepcionados. Se você corre atrás da esperança, nunca terá uma boa esperança de nada. Mas se prossegue à santidade, a paz e o gozo virão como resultado. É tua religião um amor à santidade, o amor de Deus e às almas? Ou é só uma esperança?

9. Nisto se vê porque os pecadores ansiosos não encontram a paz.

Estão sempre olhando a sua própria culpa e perigo. Estão olhando a Deus como um Deus vingador e se retraem de seu próprio terror. Isto lhes fará que alcançar a paz seja impossível. Enquanto consideram a ira de Deus, que lhes faz tremer, não podem amá-lo, só podem tratar de esconder-se dEle. Pecador ansioso, deixe-me te dizer um segredo. Se você segue olhando para esta característica do caráter de Deus, você vai se conduzir ao desespero, e isto é incongruente com a verdadeira submissão. Se você olha a todo seu caráter, e vê as razões pelas quais deve amá-lo, e se lança a Ele sem reserva e sem desconfiança; e em vez de fugir dEle, vai diretamente a Ele e lhe diga: Oh Pai celestial, não és inexplorável, és soberano, mas bom; me submeto ao seu governo e me entrego a ti com tudo o que sou, corpo e alma, para o tempo da eternidade.”

Notas:  Artigos Práticos sobre o Cristianismo – Artigo III. 1837

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