A perplexidade do profeta

Habacuque 1:12-17

(especialmente vv. 12 e 13)

É importante que o cristão não somente leia os jornais e compreenda o que está acontecendo no mundo, mas também entenda o significado dos acontecimentos. Há, em nosso tempo, graves perigos ameaçando a Igreja e, a menos que seja cuidadosa, pode, à semelhança de Israel do passado, entrar em alianças políticas para evitar exatamente o que Deus ordenou. É essencial que a Igreja não veja as coisas com olho político, mas aprenda a interpretar os acontecimentos de mo­do espiritual e a entendê-los à luz das instruções divinas. Aquilo que para o homem natural é inteiramente detestável, e até desastroso, pode ser exatamente o que Deus está usando para castigar-nos e restaurar-nos a um correto relacio­namento com ele. Assim, não devemos saltar para conclusões precipitadas.

I – A importância dos métodos certos

A maioria dos problemas e perplexidades da vida cristã surge da falta do método certo encará-los. É muito mais importante conhecemos o método de atacar do que ter resposta simplistas para problemas particulares. Geralmente as pessoas desejam resposta clara para uma pergunta específica, mas  a  Bíblia nem sempre nos dá o que desejamos. Contudo ela nos ensina um método. Temos a tendência para entrar em pânico e saltar para conclusões falsas quando acontece o inesperado e quando Deus nos trata de uma maneira estranha e inusitada O Salmo 73 adverte-nos do perigo de usar os lábios insensatamente. O salmista, vendo certos males, exclamou: “Com efeito, inutilmente con­servei puro o coração e lavei as mãos na inocên­cia.” Havia vantagem, pois, em ser religioso? Mas de súbito ele se deteve e disse: “Se eu pensara em falar tais palavras…”, percebendo que havia falado insensatamente.

Devemos descobrir o modo certo de agir em toda situação. O problema pode vir de forma pessoal; pode vir no âmbito nacional; ou pode atingir-nos como cidadãos do mundo na esfera mais ampla dos acontecimentos históricos. Por isso, analisemos com cuidado este exemplo per­feito do método de enfrentar a situação encon­trado na Bíblia.

II. O método descrito

A. Pare para pensar

A primeira regra é pensar em vez de falar. “Pronto para ouvir”, diz Tiago, “tardio para falar, tardio para se irar” (Tiago 1:19). O problema é que somos prontos para falar, prontos para irar-nos  mas tardios para pensar. Contudo, de o com este profeta, a primeira coisa a fazer ponderar. Antes de expressarmos nossas reações devemos disciplinar-nos para pensar. Pode parecer supérfluo acentuar este ponto, mas sa­bemos muito bem que aqui é onde no mais das vezes erramos.

B. Reformule princípios básicos

Diz a regra seguinte que quando a pessoa começa a pensar, não deve fazê-lo com seu problema imediato. Comece um pouco para trás. Aplique a estratégia do ataque indireto, um princípio bem conhecido no planejamento mili­tar. O inimigo na última guerra era a Alemanha, mas os Aliados começaram a derrotá-la no norte da África, uma estratégia de ataque indireto. Esse método é, às vezes, de vital importância na vida espiritual, especialmente quando nos ve­mos às voltas com um problema como o que temos perante nós. Precisamos começar a pensar um pouco para trás e atacar o problema imediato indiretamente.

Devemos lembrar-nos, primeiro, das coisas sobre as quais estamos absolutamente certos, coisas que estão inteiramente fora de dúvida. Anote-as e diga a si mesmo: “Nesta situação terrível e desnorteante em que me encontro, aqui pelo menos o terreno é sólido.” Quando, caminhando nos pantanais, ou numa cadeia de montanhas, deparamos com atoleiros, o único iodo de atravessá-los com êxito é encontrar lugares sólidos onde colocar os pés. O único meio de cruzar os brejos e pantanais é procurar apoio para os pés.  Assim, no que tange aos problemas espirituais, é preciso voltar aos princípios eternos e absolutos.  A psicologia deste princípio é óbvia, porque no momento em que voltamos para os princípios básicos, imediatamente começamos a perder o pânico. É muito importante tranqüilizar a alma com as coisas que estão além de discussão.

C. Aplique os princípios ao problema

Havendo, pois, feito isso, a pessoa pode dar o passo seguinte. Coloque o problema particular no contexto dos princípios sólidos que lhe estão diante. A realidade é que todos os problemas têm solução, contanto que sejam postos no devido contexto. O modo de interpretar um texto difícil da Bíblia é considerar o seu contexto. Muitas vezes confundimos o significado de uma frase porque a retiramos do contexto; mas quan­do colocamos a passagem problema no seu contexto, geralmente este nos interpretará o trecho. O mesmo princípio aplica-se ao proble­ma que lhe está preocupando.

D.  Se ainda houver dúvida, entregue o problema a Deus, com fé

Isso nos conduz ao passo final deste método. Se a resposta ainda não lhe é clara, então leve a dificuldade a Deus em oração e deixe-a com ele. Foi isso que o profeta fez em 1:13. No versículo anterior e na primeira parte do versículo 13, o profeta ainda estava claramente perplexo, por isso ele levou o problema a Deus e o deixou lá. Uma vez que temos o método certo, podemos aplicá-lo a qualquer problema: aos tratos estranhos de Deus com uma nação, aos problemas do Ido ou igualmente às dificuldades pessoais. Seja qual  for o  problema,   pare  para   pensar, formule as proposições, traga-o para esse contexto, e depois, se ainda estiver em dúvida, leve-o a  Deus e deixe-o ali.

*       *       *

Acompanhemos o profeta enquanto ele aplica este método aos dois principais problemas que o perturbavam: o da aparente fraqueza e derrota de Deus, e o de reconciliar o caráter divino com o uso que Deus faz do exército caldeu.

I. O problema da inação divina

As pessoas perguntaram naquela época: Por que Deus permitiu que o exército caldeu se comportasse como quis e com resultados tão devastadores? Era ele impotente em face dessa potência inimiga? As pessoas ainda perguntam hoje: Por que Deus permitiu o surgimento da “alta crítica” e de outras influências debilitadoras? Por que ele tolera tais coisas? Por que não intervém? Será que Deus não pode detê-las? Ou, de novo: Por que Deus permite a guerra?

A. Deus é eterno

Depois de expor sua dificuldade,  o profeta declara: “Não és tu desde a eternidade?” (1:12). Como vemos, ele está formulando uma propósi­to. Esquece-se por um momento do problema imediato, e pergunta a si mesmo: que sabia ele a respeito de Deus? A primeira coisa era: Não és tu desde a eternidade?” Anteriormente ele havia dito (1:11) que os caldeus, orgulhosos com o sucesso, atribuíam seu poder ao seu deus; e no momento em que disse isso, começou a pensar:

“O deus deles — o que era esse deus? Apenas algo que eles mesmos haviam criado. O Bel deles era de sua própria fabricação!” (cf. Isaías 46) p enquanto assim pensava, lembrou-se de ale0 que tinha certeza. Deus é o Deus eterno, de eternidade a eternidade. Ele não é como os deuses de criação humana; ele não é como o deus do orgulhoso exército caldeu; ele é Deus de eternidade a eternidade, o Deus eterno. Nada há mais consolador ou tranqüilizador, quando nos encontramos oprimidos pelos problemas da his­tória, e quando desejamos saber o que deve acontecer no mundo, do que lembrar-nos de que o Deus a quem adoramos está fora do fluxo da história. Ele precedeu a história; ele criou a história. Seu trono está acima do mundo e fora do tempo. Ele, o Deus eterno, reina na eternida­de.

B. Deus é auto-existente

Então o profeta acrescenta algo mais: “Não és tu desde a eternidade, ó Senhor”, e ao dizer Senhor usa o grande nome de “Jeová”. “Não és tu desde a eternidade, ó Jeová?” Esse nome diz–nos que Deus é o auto-existente, o eterno EU SOU. “Assim dirás aos filhos de Israel”, Deus havia dito a Moisés, “EU SOU me enviou a vós outros.” O nome “EU SOU o que SOU” signifi­ca: “Eu sou o Absoluto, o auto-existente.” Aqui está a segunda proposição vital. Deus não depende, em nenhum sentido, de nada que acontece no mundo, mas existe em si mesmo. Não só Ele não é dependente do mundo, mas nunca teria necessidade de criá-lo  se  não  o  desejasse.  A tremenda verdade concernente à Trindade é que uma vida eternamente auto-existente reside na Divindade— Pai, Filho e Espírito Santo. Aqui, de novo, está  a   maravilhosa  certeza:   “Estou certo de que Deus não depende deste mundo, porque é auto-existente: ele é Senhor, é Jeová, o grande EU SOU.” O problema começa a desapa­recer.

C.  Deus é santo

O profeta traz, então, à lembrança que outro absoluto de Deus é sua santidade. “Não és tu desde a eternidade, ó Senhor meu Deus, ó meu Santo?” Habacuque está seguro não sei da exis­tência eterna de Deus, não só de sua auto-existência, e de sua independência de tudo e de todos, mas de que ele é o “Santo”, total e absolutamente justo e santo, “um fogo consumi­dor”. “Deus é luz, e não há nele treva nenhu­ma.” No momento em que consideramos as Escrituras dessa maneira, somos obrigados a perguntar: “Pode o Senhor da terra cometer injustiça?” Tal coisa é inimaginável.

D.  Deus é todo-poderoso

Vem, a seguir, a próxima proposição do profeta. Diz ele:   “O  Senhor,   para  executar juízo puseste aquele povo; tu, ó Rocha, o fundaste para servir de disciplina.” Assim, outra coisa da qual ele está certo é que Deus é todo-poderoso. O Deus que do nada criou o mundo, que disse: “Haja luz” e houve luz, tem poder absoluto, tem poder ilimitado. Ele é a “Rocha”.

E. Deus é fiel

Há, entretanto, outra proposição que o profeta apresenta concernente a Deus, que é, em muitos sentidos, a mais importante de todas com respe’ to ao problema com o qual se defronta: “Não és tu desde a eternidade, ó Senhor meu Deus ó meu Santo? Não morreremos.” Que significam estas palavras: “Meu Deus, meu Santo, não morreremos”? Ele está-se recordando de que Deus é o Deus da aliança. Embora independente e absoluto, eterno, poderoso, justo e santo, não obstante Deus condescendeu em fazer aliança com os homens. Fez uma aliança com Abraão, à qual o profeta se refere aqui, e renovou esta aliança com Isaque e com Jacó. Renovou-a outra vez com Davi. Foi esta aliança que deu a Israel o direito de voltar-se para Deus e dizer: “Meu Deus, meu Santo.” O profeta lembra-se de que Deus disse: “Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo.” Para esses santos homens, para os profetas, e para todos quantos tinham discerni­mento espiritual em Israel, este fato era mais significativo do que qualquer outra coisa. Con­quanto cressem nos atributos eternos de Deus, podiam sentir arrepios em face da idéia de que tal Deus pudesse estar distante nos céus e esquecido das necessidades do povo. Mas o que vinculava Deus ao povo era o conhecimento de que era um Deus fiel, que cumpria a aliança. Ele dera a sua palavra e jamais a quebraria. Pensando na aliança, o profeta pode dizer: “Meu Deus Santo”‘ e acrescenta: “Não morreremos, exército caldeu podia fazer o que quisesse, nunca exterminaria a Israel, porque Deus havia  feito  determinadas  promessas  que jamais quebraria.

Havendo formulado suas proposições, o pro­feta agora traz o problema para o contexto lesses princípios absolutos e eternos. E isto é o que ele diz: “Para executar juízo puseste aquele . o fundaste para servir de disciplina.” Ele deduz sua resposta à pergunta acerca dos caldeus raciocinando: “Deus os deve estar susci­tando para o benefício de Israel; disto posso estar absolutamente certo. Não que os caldeus tenham tomado a lei em suas próprias mãos; não que Deus não possa restringi-los. Tais coisas são impossíveis em face de minhas proposições. Deus está apenas utilizando-os para seus própri­os fins (“Para executar juízo puseste aquele povo; fundaste-o para servir de disciplina”); e ele está levando a cabo esses fins. Não entendo plenamente o problema, mas estou bem seguro de que não seremos exterminados. Este não será o fim da história de Israel; embora, segundo a descrição, aparentemente sobrarão bem poucos, seremos levados para o cativeiro. Mas ficará um remanescente, porque o Todo-poderoso ainda é Deus, e ele está usando os caldeus para fazer algo que  está   dentro  do  propósito  da aliança. Deus não está revelando fraqueza. Ele não está sendo derrotado. Deus, pelo fato de ser o que é, está fazendo isto, e o faz para seu próprio nobre fim e objetivo.”

III. O problema de reconciliar o caráter santo de Deus com o uso que ele faz dos caldeus

Vamos, porém, ao segundo problema. Se Deus é todo-poderoso, e se ele está no controle dos acontecimentos, como podem estes reconci­liar-se com seu caráter santo? Se admitimos o poder de Deus, e vemos que os caldeus não passam de instrumentos nas mãos divinas, e que seu êxito não é devido ao seu próprio deus, ainda devemos perguntar como um Deus santo permite que tais coisas ocorram. Habacuque aplica o método anterior.

A. Um Deus santo odeia o pecado e não pode fazer o mal

Ele começa dizendo: “Disto estou seguro: Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal, e a opressão não podes contemplar’ (1:13). Posso não estar certo a respeito de algumas coisas, mas isto eu sei: Deus não pode ver o mal sem odiá-lo. Ele o detesta.” Todo o mal que existe no mundo é totalmente repugnante para Deus por causa de sua pureza. Ele é tão puro de olhos que não pode ver o mal com complacência. Deus e o mal são oponentes eternos. Qualquer coisa injusta ou cruel distancia-se muito do caráter de Deus. Não há injustiça em Deus; quanto a isto, não há dúvida. Ele não só não tenta o homem, mas não pode ser tentado pelo mal. “Deus é luz, e não há nele treva nenhuma.”

Havendo afirmado  isto,  o profeta  se volta imediatamente para uma dificuldade desconcertante. “Se isto é verdadeiro a teu respeito, ó Deus”, diz ele, “por que, pois, toleras os que procedem perfidamente, e te calas quando o perverso devora aquele que é mais justo do que ele?” Como podia Deus permitir que os caldeus fizessem isto ao seu próprio povo? O povo do profeta podia ser mau, mas os caldeus eram piores. Ou, traduzindo para uma forma moder­na, os cristãos dizem: “Estou pronto a admitir que a Igreja vem apostatando durante anos, mas os comunistas são ímpios. Como pode Deus permitir as coisas que estão acontecendo?” Ou, aplicando-o mais pessoalmente, muitas vezes os homens protestam: “Admito que não sou tudo o que devia ser; mas fulano de tal é pior, e no entanto prospera.” Qual é a resposta?

B. Portanto entrego a Deus o problema não solucionado

Neste parágrafo o profeta não recebe resposta alguma. Para a primeira pergunta acerca do poder de Deus, Habacuque teve uma resposta positiva. Mas o problema da santidade de Deus é mais difícil. Mesmo depois de demonstrar seus princípios absolutos e de colocar o problema neste contexto, ainda não há resposta clara. Por experiência sabemos que muitas vezes é assim. Aplicamos o método que funcionou tão bem em outros casos, porém não recebemos resposta imediata. Que fazer num caso assim? Certamen­te que não devemos apressar-nos a dizer: “Visto como não entendo isto, tenho cá minhas dúvi­das de que Deus seja justo.” Não! Se a pessoa ainda não entende, depois de aplicar os métodos dados por Deus, então deve falar com ele a respeito. Cometemos um erro quando conversa­mos com nós mesmos e depois com outras pessoas, e perguntamos: “Por que isto? Não é estranho?” Devemos fazer o que o profeta fez: levar o problema a Deus e deixá-lo com ele.

C. O exemplo do Filho de Deus

O cristão pode manter-se nesta posição por uma semana, ou meses, ou anos. Muitas vezes tem acontecido assim. Mas deixe o caso com Deus! Este não é apenas o método profético; é a atitude que o próprio Filho de Deus adotou quando esteve no mundo. O problema para ele era o de ser “feito pecado” para a salvação do homem. Ele sabia que o Pai poderia tê-lo livrado das mãos dos judeus como também das mãos dos romanos. Ele poderia ter ordenado doze legiões de anjos e escapado. Mas como ele devia ser feito pecado, e o pecado tinha de ser punido em seu corpo, ele tinha de ser separado do Pai. Era esse o problema; e o Filho de Deus defron­tou-se com a maior perplexidade de sua vida humana na terra. Uma coisa que ele queria evitar era a separação do Pai. Contudo, que fez ele? Precisamente o que o profeta fez. Orou, dizen­do: “Meu Pai: Se possível, passe de mim este cálice! Todavia, não seja como eu quero, e, sim, como tu queres” (Mateus 26:39). “Não entendo isto”, disse ele em realidade, “mas se este é o teu caminho, muito bem, continuarei.” Levou a Deus o problema que não entendia e deixou-o ali. Podemos dizer, com reverência, que o Senhor Jesus, embora talvez não entendesse plena­mente porque se fez homem, não obstante prosseguiu, confiante em que a vontade de Deus sempre é certa, e que um Deus santo nunca ordenará nada errado.

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Fonte: Capítulo 2 – Do temor a fé

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